[N. 21 | 2023]

Da dor e do amor

Dulci Lima

Chove chuva, chuvarada
Ajudo minha mãe na parada
Chove chuva, chuvisquinho
Ajudo minha mãe no coquinho

Poesia de Lia, aos 6 anos

Nascemos. Em abril de 2013, minha filha e eu nascemos, ela para o mundo e eu como mãe. Nunca almejei ser mãe, não sonhei ter filhos. Gostava mais das brincadeiras de rua e de professora do que de bonecas. Amava mesmo os livros!

Minha filha foi um acontecimento inesperado, resultado de um amor não correspondido (pelo menos não naquele momento) e dias de muita comemoração (um tanto imprudente) pelo meu aniversário. Ela foi o presente que não pedi, que não esperava, mas meu melhor presente. Embora nunca tenha desejado a maternidade, ela veio e, ao ouvir pela primeira vez o coraçãozinho daquela criaturinha batendo dentro de mim, no primeiro ultrassom, eu fiquei encantada, ela me fisgou. Foi a primeira vez que me senti mãe.

Não houve beleza na minha gestação, e sim muito medo, choro, insegurança e solidão. Tudo aquilo que sempre ouvi dizerem de como a mulher se sente plena, realizada, linda, de como a mulher é protegida e cuidada quando carrega uma vida: nada disso me pertenceu. Eu fui descobrindo no susto muitas dores e desconfortos físicos e emocionais que uma gestação pode trazer. Sentia que tinha sido enganada por toda a romantização da gestação e me perguntava a razão de tanto silenciamento sobre os desprazeres da gravidez.

Além de todas as mudanças internas que eu experimentava e pelas quais toda mulher em “estado interessante” passa, eu vivenciava um verdadeiro turbilhão na minha vida. Enquanto gestava, mudei de casa (duas vezes), de emprego (após um processo seletivo intenso que durou seis meses), meu pai adoeceu e eu temi que ele não chegasse a conhecer minha filha. E ainda tive que encarar a realidade de que seria uma mãe-solo. Meu mundo virou de cabeça para baixo de um dia pro outro.

Me preparei para contar para minha família, conservadora, sobre aquela gravidez “independente” e não planejada. Estava apreensiva, mas me surpreendi e me emocionei quando meu pai me acolheu, dizendo “a partir de agora, você nunca mais estará sozinha. Ela será sua companheira”.

Nada do que planejei para o meu parto deu certo. Tive uma doula, fiz um plano de parto, queria parir naturalmente e que minha filha viesse para o meu colo logo ao nascer. Tudo em vão. Ela nasceu linda e saudável por cesariana, após dois dias de trabalho de parto. Só pude vê-la sete horas depois de nascer. Três dias depois, me vi sozinha em casa com uma bebê recém-nascida. Foi apavorante! Eu tinha pontos da cirurgia e nenhuma experiência em cuidar de um bebê. Mas, como diz o poema da Lia no início do texto, ela me ajudou. Ela sempre me ajudou a cuidar dela e de mim. Lia foi uma bebê tranquila, risonha, grudadinha (nos primeiros 28 dias de vida, só dormia em cima da minha barriga). Descobri que o amor não vem imediatamente. O senso de cuidado, de proteção e de responsabilidade chega primeiro. O amor vai acontecendo no dia a dia.

Eu me tornei efetivamente uma mãe, dessas bem clichês, do tipo protetora neurótica, mãe leoa. Me submeti às mudanças necessárias para acomodá-la na minha vida. Refiz todo o planejamento mental que tinha idealizado para o meu futuro. Decidi que abrir mão dos meus sonhos não era a melhor saída, eu seria uma mãe melhor se me sentisse bem como pessoa, como mulher. Adiar e adequar seria melhor. O tempo das coisas precisava ser outro, mais lento. E assim tem sido.

Consegui concretizar algumas coisas, como meu doutorado que foi escrito muitas vezes com Lia no meu colo, dormindo ao lado, colando figurinhas na minha testa enquanto eu lia, exigindo minha atenção, com desenhos sendo feitos nas páginas dos livros usados na pesquisa, tendo ela como companheira em congresso onde apresentaria trabalho. Equilibrando as bandejas do trabalho, pesquisa e maternidade, fui vendo o crescimento dela. E que experiência incrível é acompanhar de perto um ser humano em desenvolvimento! Cada novo gesto, grunhido, palavra é revelador da sua potência.

Eu nunca havia pensado em ser mãe, não tinha feito o exercício de imaginar como seria – eu fui acertando e errando. Fui aprendendo com a minha filha, ela foi me ensinando conforme me apresentava demandas para as quais eu não tinha plano, não fazia ideia. Hoje tenho nove anos de experiência em ser mãe da Lia, uma criança esperta, inteligente, contestadora e sensível. Sou profundamente apaixonada por ela e arrisco dizer que ela é também por mim. E, ainda assim, em vários momentos, eu me peguei pensando em como seria minha vida se não tivesse me tornado mãe. Que pessoa eu seria? Que experiências teria vivido? Que viagens teria feito? Porque, embora hoje não consiga imaginar minha vida sem essa garotinha maravilhosa, as dúvidas e inseguranças por vezes surgem e está tudo bem, porque mãe é, antes de tudo, pessoa.