[N.38 | 2023]

Contínua

Maria Carolina Fenati

Quando estávamos no início da pandemia da Covid-19 e lavávamos pacotes de arroz ou economizávamos álcool em gel pensando nos hospitais, enquanto o governo brasileiro não se responsabilizava por adquirir e desenvolver vacinas e fortalecer o Sistema Único de Saúde, quando todos nós esvaziávamos as ruas e ficávamos confinados em casa, acuados com as nossas loucuras – as crianças tornaram-se quase invisíveis para o mundo público, entregues aos cuidados domésticos, e o seu burburinho incessante destinava-se às suas mães. Talvez naquela época – quando já estávamos no limite de tudo, político, sanitário, humanitário e, também, não raramente, das nossas forças, da nossa alegria – fosse inimaginável suportar a pandemia por mais tanto tempo. Ainda foi preciso continuar nela e, para algumas mulheres, com crianças ao redor.

Foi nesse contexto que convidei mulheres a escreverem sobre a experiência da maternidade durante o isolamento social para a coleção Caderno de Leituras, publicada e disponibilizada gratuitamente no site das Edições Chão da Feira (www.chaodafeira.com). O primeiro conjunto de textos, intitulado “Caderno 116: 7 mulheres – maternidade e isolamento social”, foi publicado em outubro de 2020; e o segundo, intitulado “Caderno 133: Contínua – maternidade e isolamento social”, em setembro de 2021. Republicamos aqui os quinze textos que compõem esses cadernos.

Mulheres que haviam sido mães recentemente ou que viram a rotina dos seus filhos, assim como a sua, interrompida pela pandemia, escreveram o que puderam partilhar, na intensidade daqueles dias, e a elas agradeço novamente. Agradeço também a todas as outras que me confessaram não terem conseguido escrever, ainda que quisessem. Quero também agradecer a Sylvia Amélia, que fez as colagens que estão na capa daquelas publicações.

Não há quase nada tão contínuo quanto a maternidade, e essa persistência do vínculo é, ao mesmo tempo, assustadora e afirmativa da saúde. Quero dizer que, durante o isolamento social, a maternidade tornou-se ainda mais ininterrupta porque não havia escola. Muitas vezes, esteve suspensa a rede de apoio e foi impossível abrir intervalos para respirar distante dos filhos. A falta de sono, de paciência, de descanso, de solidão, de espaço tocaram o limite do suportável e, ainda assim, foi preciso manter-se nos cuidados com as crianças, que também viviam confinadas aos seus pais.

Também foram as crianças que, repetidas vezes, acenderam a alegria e o riso, foram elas que nos lembraram que é engraçado viver. Quero dizer também que, mesmo quando nada apetecia, quando estávamos exaustas e tristes, aquele par de olhos infantis ainda nos olhavam, reivindicando o futuro que, afinal, é seu direito. Foi diante desses olhos que essas mulheres escreveram e, se elas têm os ouvidos à escuta do coração de seus filhos, seus olhos estão atentos ao mundo, buscando reinventar o futuro que, como uma fera na selva, espera suas crias.