Teu nome, Sereno. Que eu chamo baixinho enquanto deixo a água cair barulhenta sobre a barriga redonda e imensa. Barriga-casa. Corpo-mãe. Teus chutes inesperados enquanto meu sono chega. O estômago esmagado, tentando digerir a janta e os dias – essa contagem regressiva que tantas vezes me apavora.
Antes, o vazio. Porque algo que já foi ocupado, depois passa a ser isso: vazio. Um vazio tão bem-vindo que deu a leveza que eu nem me lembrava ser capaz de sentir. A potência de um corpo concentrado em si. Meu corpo todinho meu, por seis meses ou oito meses, não sei pontuar. Nunca é possível pontuar, afinal. A gente tangencia as margens sem enxergar bem onde termina o mar e começa o céu. A gente suspeita, a gente vislumbra, mas se tentar encostar a ponta dos dedos, dilui.
Antes, o peito. Peito-peito-peito. Peito, peito, peito. E o colo que dei e pedi. Sono misturado com medo de atravessar a porta de casa, me convencendo diariamente de que ali, naqueles metros quadrados, estávamos todos mais seguros. Juntos, higienizados e seguros, na medida em que era possível estar. Nasceu no isolamento os teus passos e a tua fala solta. Nesse isolamento de quatro adultos rodeando teu corpo pequeno e inquieto. E o meu corpo, sendo tão seu ainda, tão seu num desejo crescente de emancipação. Desejo nosso.
Antes, o rombo.
O rasgo no corpo-tempo-espaço.
Antes, o antes. Meus sustos no espelho diante da silhueta que diária e imperceptivelmente tornava-se outra. Ainda minha, mas não só. Éramos juntos a inauguração deste corpo-casa. Semana a semana, pensando no tamanho da fruta que me habitava. Me habituando a me descentralizar de mim, sair do cômodo centro da minha vida, do meu corpo, da minha cabeça. Este corpo-duplo, matrioska. Sem a mais remota ideia do furacão que me espreitava logo ali, na próxima esquina.
Seu nome, Tom. Que eu chamava baixinho enquanto deixava a água cair ritmada sobre o corpo que começava a apontar as vidas que aprenderia a parir e alimentar.