[N.79 | 2023]

Aprendendo todo dia a ser a mãe do meu filho

Karine Vasconcelos

Ser mãe é tarefa difícil. A sociedade impõe, cobra e julga o tempo todo as mães. Até parece que elas se autofecundam para gerar um filho. A maternidade pesa, derruba. Esse peso aumenta quando se trata da maternidade atípica.

No momento em que a médica falou sobre o diagnóstico de autismo do meu filho, eu realmente não sabia nada a respeito, nem lembrava de qualquer filme que retratasse algum estereótipo. Comecei a pesquisar sobre o tema e não demorou muito até estar rodeada de profissionais, mães, associações, políticos que lutam pela causa. A minha cabeça explodiu com a quantidade de informações que chegaram, cogitei até uma mudança profissional, dedicar-me a algo que pudesse ajudar meu filho. Não satisfeita com a carga, a mãe puxa a culpa para si. Eu já li muito sobre autismo, e fiquei frustrada por não ter me tornado uma ativista.

Houve também aquele momento do autodiagnóstico – já estudei tanto que vi claramente em mim um ser neurodivergente. Isso trouxe algum consolo. Não é nenhuma fantasia, é até bem comum receber também um diagnóstico para os genitores.

Tem o medo também. Qual mãe não tem medo de morrer e deixar o filho desamparado? Aquele filho que não vai ser completamente independente quando chegar a idade adulta? Quem vai cuidar dele?

Certo dia, li algo sobre a saúde comprometida das mães atípicas. Também pudera! Terapia constante, remédios, consultas, estimulação diária, e sem tempo para si. Em outra leitura, vi algo sobre o burnout na maternidade. Cuidar, ser responsável por outro ser humano, já nos leva naturalmente à sobrecarga. Imagine em casos como o meu, quando as demandas, preocupações e cobranças são multiplicadas pelo número de comorbidades e níveis de suporte. Terei o burnout plus 2.0?

Uma mãe não consegue se cuidar quando precisa correr tanto para alcançar o mínimo para o seu filho. São tantas batalhas, remédios, benefício assistencial, acompanhamento, terapia, educação. Para a mãe, o que resta? Quem cuida de quem cuida?

As maternidades atípicas, assim como as típicas, são únicas, são distintas umas das outras. Há aspectos em comum que converso com algumas mães, mas são sempre pontuais – um hiperfoco ali, um stim aqui. Nenhum autista é igual.

Quando eu trabalhava, de segunda a sexta, o sábado era dedicado ao meu filho. Eu o levava para a terapia, era distante de casa, fazia esse trajeto de ônibus, o que tornava tudo bastante cansativo. Mas, algumas vezes, eu juntava o útil ao agradável, no caso, a obrigação à diversão, encaixava a saída da terapia a um momento de lazer. Como ele adorava essas coisas de games e animes, em um desses passeios, nós fomos para um evento geek em um shopping.

Para além do cansaço, não se tratava apenas de decidir ir e pronto, era preciso pensar a respeito, sob vários aspectos: transporte, alimentação, tempo e disposição, minha e dele. Eu sabia que ele gostaria da ideia, mas tinha medo de dizer que iríamos e no dia falhar, ou que algo o incomodasse, a ponto de causar-lhe uma crise e gerar frustração em ambos. Eu era a mãe e a adulta, mas também tinha as minhas questões a considerar, a minha grande dificuldade de ir a lugar novo, o shopping que eu não conhecia e o evento, que também seria inédito para mim. Isso tudo me deixava fora de eixo, eu teria que controlar minha tensão pessoal para não atrapalhar e não sabotar o objetivo materno.

Fomos. O shopping era enorme. Apesar de não conhecer o lugar, conseguimos encontrar o local exato do evento até que razoavelmente rápido. Mas, devido ao horário, decidi logo almoçar e só depois entrar no evento de forma definitiva. Isso se tornou uma tarefa mais dificultosa: encontrar a praça de alimentação e, em seguida, um local adequado para comer. Por adequado, você pode compreender por um preço não muito alto e alimentos aceitáveis dentro da seletividade alimentar do meu filho, o que nos leva a opções do tipo calzone ou pastel sem carne, suco, vitamina ou refrigerante. Mas o importante era alimentar e passar para a próxima fase – entrar na feira geek.

Eu estava exausta, longe de casa, já havíamos andado bastante, pensando no perrengue que seria a volta, mas a satisfação de vê-lo alegre, olhando para tudo aquilo, interagindo com pessoas que “falavam a sua língua”, jogos, cosplayers, um monte de personagem que eu não fazia ideia e outros que aprendi com ele… Valeu muito a pena. Foi um sentimento de realização, de cumprimento de todas as minhas obrigações como mãe, dando o cuidado e o amor, isso ajudou a aliviar a culpa por passar tantos dias longe.