[N.95 | 2023]

As alegrias da maternidade [fragmento]

Buchi Emecheta

Ainda estava tomada por esses pensamentos sinistros, contando a féria do dia, quando ouviu os gritos de saudação das esposas do senhorio, que ainda não haviam entrado para suas casas.

“Sejam bem-vindos, nossos heróis!”.

As crianças correram para fora para ver quem havia chegado. Nnamdió foi junto, misturado às pernas deles, e Nnu Ego alertou: “Cuidado para não derrubar o irmãozinho de vocês”.

“Mãe! É o pai! Nosso pai! Ele voltou!”.

Nnu Ego largou o dinheiro, correu para fora e lá estava Nnaife. Os dois começaram a rir, envergonhados, sem maiores manifestações de afeto.

Nnaife perguntou, sem parar de rir: “E como vai nossa esposa mais velha?”.

“Por que você não me falou que voltava hoje?”, foi tudo o que Nnu Ego conseguiu dizer, sem saber como agir.

Todos se amontoaram na varanda. Claro que os vendedores de vinho de palma da área se animaram. Bem que haviam sentido falta, durante todos aqueles anos, de seu freguês igbo.

Os festejos se estenderam por vários dias. Nnaife gastava e gastava um monte de dinheiro, até que Nnu Ego foi obrigada a lembrá-lo de que havia crianças a alimentar e taxas escolares a pagar.

“Você não está feliz por me ver de volta? Eu não tinha certeza de voltar, sabe? Não vê que andei mal de saúde? Olhe meus pés inchados… Meus pés apodreceram no pântano, em Burma. E lá vem você querendo me atormentar. Me deixe em paz”.

Nnaife estava doente. Sua pele tinha uma espécie de cor amarelada que não parecia nada saudável. Ele dava a impressão de estar mais rotundo, mais nervoso que antes, e tinha tendência a falar num sussurro constrangedor. Num minuto estava rindo e no seguinte, sussurrando como um menino. Uma coisa não se alterava em Nnaife: sua ausência de bom senso. Agora que tinha dinheiro, precisava gastá-lo.

Estava feliz pelos filhos e muito orgulhoso com as notícias sobre a família em Ibuza. Descartou Adaku, com a afirmação de que ela era uma mulher má, e declarou: “Depois que eu tiver descansado, preciso ir visitar aquela boa mulher em Ibuza. Ela deve estar ansiosa por um homem. Para uma mulher, passar cinco anos sem homem… Meu irmão nunca me perdoará”.

“Sei que por direito ela é sua, mas ela está feliz como esposa mais velha da família. Os filhos cresceram e viraram agricultores cheios de disposição, sabe? Não vão gostar da ideia de outro marido para a mãe”, avisou Nnu Ego.

“Não sou ‘outro homem’, sou o irmão do marido dela. Você não mudou, Nnu Ego, filha de Agbadi”.

Todos os visitantes homens riram ao presenciar a cena.

Então Ubani exclamou, brincando: “Meu amigo, Nnu Ego se portou muito bem em sua ausência, sabe? Também lutou na guerra, aqui, com sua família”.

“Ela seria uma desgraça para sua gente se não tivesse se comportado bem”.

Todos riram de novo. O aposento onde viviam, juntamente com a varanda, parecia uma colmeia de tanto movi­mento. E finalmente as crianças conheceram a alegria de ter um pai.

Mesmo isso, porém, teve curta duração. Nnaife insistia ser um dever visitar a esposa do falecido irmão e família. Precisava ir até Ibuza agradecer a Adankwo, disse, pela ajuda que prestara a Nnu Ego. Mas Nnu Ego estava longe de se iludir com essa explicação. Sabia que Nnaife ficara com o orgulho ferido ao se inteirar de que Adaku saíra da casa dele; en­tendeu, pelo que tanta gente lhe dizia, que a jovem estava se virando muito bem sem ele. Nnu Ego desconfiava que ele queria ir até Ibuza para tornar Adankwo sua esposa da maneira normal, estabelecida pela tradição. Aquela mulher lhe pertencia por direito de herança, mas esse direito nunca fora exercido. Agora Nnaife estava querendo reivindicar o que lhe pertencia. Não mudou de ideia nem mesmo quando Nnu Ego lhe disse, depois de algumas semanas, que pelo jeito estava esperando outro bebê.

“Será que você está com medo de ter um bebê sozinha, esposa?”.

“Medo, não. É só que a coisa toda parece estar ficando mais dolorosa e inquietante à medida que vou ficando mais velha”.

“Não se preocupe. Volto antes da criança nascer. É possível que eu seja readmitido em breve para trabalhar na oficina. Imagine só! Vou trabalhar no interior da oficina e não mais do lado de fora, na grama!”, anunciou, cheio de orgulho.

Como todos os heróis de guerra da época, Nnaife foi para Ibuza com pompa. Adankwo, aquela mulher tão composta, caiu na conversa e, em pouco tempo, também engravidou de seu último bebê menopáusico. Para consternação de Nnaife, se recusou a ir para Lagos com ele.

“Preciso tomar conta da família, aqui. Não quero ir viver naquele único aposento de vocês”, declarou, e seus filhos adultos, do casamento com o marido anterior, apoiaram-na em sua decisão.

“Mas preciso de alguém para ajudar Nnu Ego! Ela está achando as coisas mais difíceis agora. Precisa de ajuda”, insistiu Nnaife.

“Você está me dizendo que precisa de uma nova esposa?”, indagou Adankwo.

A “ajuda” não tardou a chegar, na forma de uma garota de dezesseis anos chamada Okpo. Os pais dela não quiseram saber de aceitar menos que trinta libras pela filha; por acaso Nnaife não voltara para casa trazendo aquele dinheiro todo dos brancos? Para não ferir os sentimentos de sua gente, Nnaife pagou o que lhe pediam, deixando a família Owulum orgulhosa com o fato de seu filho, que estivera na guerra, ser uma das primeiras pessoas a determinar o passo dos hábitos que ainda viriam. Pagou trinta libras por aquela mulher em vez de pagar as vinte libras de sempre, fixadas pelos costumes de Ibuza. Alguns dos mais velhos, ao tornar conhecimento da história, se limitaram a balançar a cabeça, prevendo: “As coisas não serão mais as mesmas”. E tinham razão.

Nnaife voltou correndo para Lagos. Gastara quase todo o seu dinheiro do exército e sabia que se não voltasse depressa cairia para um nível ainda mais baixo. Teria de pedir um empréstimo aos agricultores de seu grupo de idade. Para que isso não ocorresse, voltou para Lagos e para uma Nnu Ego irada, acompanhado da nova esposa Okpo e de sua nova autoconfiança.

Dessa vez, Nnu Ego não se deu ao trabalho de disfarçar sua desaprovação. Se recusou a dividir o quarto com a garota nova e todos os filhos. Consultara seu curandeiro e o farmacêutico do hospital, que a ajudava sempre que estava grávida, e os dois haviam dito que ela estava de novo esperando gêmeos.

“Onde a gente vai-pôr todos eles?”, urrou para o marido e para a garota, que na opinião dela não demoraria a começar a procriar também. “Você ficou maluco ou o quê?”. E continuou, amarga: “Só temos um aposento onde viver com meus cinco filhos, e estou esperando mais dois; mesmo assim, você traz mais uma pessoa. Será que os brancos por quem você lutou o encarregaram de substituir todas as pessoas que morreram durante a guerra? Por que você não deixa uma parte da tarefa para os outros homens? Até mesmo Adankwo, que consideramos nossa mãe, está esperando um filho seu. Sempre você! Precisa fazer alguma coisa. Não quero essa garota dormindo na minha cama. Desta vez não vou ceder. Não me importa o que seus amigos digam”.

Nnaife mandou chamar os amigos para que pacificassem sua esposa mais velha, mas o bom Nwakusor disse que Nnu Ego tinha razão, embora devesse dar algum tempo ao marido para encontrar novas acomodações.

“Você sabe como as coisas estão”, disse ele a Nnu Ego em voz de súplica. “Antes era possível achar um quarto em menos de um dia. Hoje, com todo esse pessoal do exército por aí, e com todo o dinheiro que eles têm, tudo ficou muito difícil. Lembre que a garota está aqui para ajudá-la a cuidar de seus filhos. Seus filhos, não esqueça. Alguns anos atrás – na verdade, parece que foi ontem –, quando vi você na ponte Carter, você não tinha filhos para cuidar, quanto mais precisava de ajuda para tomar conta deles. Então, Nnu Ego, filha de Agbadi, você precisa agradecer a nosso deus Olisa e à sua chi por ter recebido essa bênção. Seu pai não ia gostar de ver você se comportar desse jeito”.

Nwakusor sabia que esse era um ponto sensível. Mesmo na morte, Nwokocha Agbadi controlava a filha. Ela pertencia aos dois homens, o pai e o marido, e em último lugar aos filhos homens. Sim, ela teria de agir com cautela se não quisesse que as futuras esposas dos filhos dissessem: “Mas sua mãe sempre ficava enciumada quando o marido levava uma jovem esposa para casa”.

“Está bem”, interferiu Nnaife, “vamos encontrar acomodações maiores e mais baratas”.

“Mais baratas?”. A voz de Nnu Ego ainda estava alterada.

“Você diz isso porque gastou todo o seu dinheiro do exército, esse dinheiro que você estava ocupado ganhando enquanto as crianças e eu estávamos ocupados sofrendo? Ah, Nnaife, você é um tolo!”.

Claro que depois disso nunca mais houve paz. Oshia apareceu com a ideia de se inscrever no liceu de nome Hussey College, em algum lugar da cidade de Warri.

“Por que você não consegue uma bolsa de estudos, como fazem outros meninos?”, perguntou Nnu Ego.

“Só poucas pessoas conseguem bolsas, e precisam ser muito inteligentes”.

“Então por que você não é inteligente?”, rebateu Nnaife.

“Talvez se eu tivesse uma infância tranquila e não tivesse que passar os primeiros anos de minha vida vendendo parafina e carregando lenha…”.

“Cale a boca!”, gritou Nnu Ego. “Então agora é tudo culpa minha?”.

Nnaife riu e disse: “Quer dizer que você responde a seu pai, é, filho? Bem, se sua mãe não estivesse tão ansiosa para arrumar dinheiro, talvez você tivesse conseguido uma bolsa de estudos. Eu tive que ir lutar. Não foi escolha minha. E sempre que tinha oportunidade de arrumar um emprego, foi isso que eu fiz. Portanto, não ponha a culpa em mim”.

Era tudo tão desesperador que Nnu Ego simplesmente desmontou e se entregou à autopiedade. Até Oshia, seu filho, a culpava. Claro que para ele o pai era um herói. Um soldado. Um lutador. Trazia dinheiro para a família. Ela, para o pobre garoto, era uma mulher que reclamava o tempo todo, sempre preocupada. Ah, Deus, por favor, melhor acabar com ela, juntamente com os bebês que está esperando, que deixar as crianças em relação às quais nutrira tantas esperanças enchê-la de mágoa.

Ouviu Nnaife falando com uma voz de pai nobre: “Claro que você vai para Hussey. Vou investir todo o meu dinheiro em sua educação”. Com essas palavras, puxou uma pequena caderneta e, balançando-a no ar, disse, cheio de si: “Ainda tenho cem libras. Não toquei no meu dinheiro até chegar à Nigéria. Isto deve ser suficiente para pagar por sua educação. Os outros vão ter de esperar até você concluir os estudos e chegar a vez deles”.

Claro que aquilo arrematou o assunto. Oshia ficou ainda mais orgulhoso do pai. E o que Nnu Ego poderia dizer? Se ficasse armando encrenca em torno da história de encontrarem melhores acomodações, sabia o que os filhos iam dizer, sabia o que as pessoas iam dizer, sabia o que a nova garota, que ouvira tudo, ia dizer, o que todos iam dizer: “Por acaso quase todo o dinheiro dele não está sendo gasto com seu primogênito Oshia? Quantos pais estão dispostos a fazer um sacrifício desses?”. Seu amor pelos filhos e seu sentimento de dever para com eles eram como as correntes que a mantinham em sua escravidão.

Ainda assim, pensou, crianças viram gente. Um dia eles cresceriam e quem sabe ajudariam a mãe. Abby, por exemplo, um filho único; Abby…

Com esse pensamento, deslizou para o sono naquela noite, apenas para ser despertada de madrugada pelas dores do parto. Antes do amanhecer, Nnu Ego teve seu segundo par de
gêmeos, trazidos ao mundo por Nnaife, com ela sentada sobre o almofariz virado para baixo que haviam trazido da cozinha. Okpo estava ali para ajudar com água quente, facas e outras coisas. Nnaife não ficou muito satisfeito com o resultado: tanto tumulto para que nascessem mais duas meninas?! Se a pessoa era obrigada a ter gêmeos, por que meninas, pelo amor de Olisa?

A chegada das novas gêmeas teve um efeito anestesiante sobre Nnu Ego, que se sentiu mais inadequada do que nunca. Os homens… a única coisa em que eles estavam interessados era em bebês homens para dar continuidade a seu nome. Mas por acaso uma mulher não precisava trazer ao mundo a mulher-bebê que mais tarde geraria os filhos?

“Deus, quando você irá criar uma mulher que se sinta satisfeita com sua própria pessoa, um ser humano pleno, não o apêndice de alguém?”, orava ela em desespero. “Afinal, nasci sozinha e sozinha hei de morrer. O que ganhei com isso tudo? Sim, tenho muitos filhos, mas com que vou alimentá-los? Com minha vida. Tenho que trabalhar até o osso para tomar conta deles, tenho que dar-lhes meu tudo. E se eu tiver a sorte de morrer em paz, tenho que dar-lhes minha alma. Eles adorarão meu espírito morto para que zele por eles: ele será considerado um bom espírito enquanto eles tiverem fartura de inhame e de filhos na família, mas, se por acaso alguma coisa der errado, se uma jovem esposa deixar de conceber ou se houver escassez, meu espírito morto será culpado. Quando ficarei livre?”.

Mas, mesmo em meio a sua aflição, Nnu Ego conhecia a resposta: “Nunca, nem mesmo na morte. Sou uma prisio­neira de minha própria carne e de meu próprio sangue. Será que essa é uma posição tão invejável assim? Os homens nos fazem acreditar que precisamos desejar filhos ou morrer. Foi por isso que quando perdi meu primeiro filho eu quis a morte, porque não fora capaz de corresponder ao modelo esperado de mim pelos homens de minha vida, meu pai e meu marido, e agora tenho que incluir também meus filhos. Mas quem foi que escreveu a lei que nos proíbe de investir nossas esperanças em nossas filhas? Nós, mulheres, corroboramos essa lei mais que ninguém. Enquanto não mudarmos isso, este mundo continuará sendo um mundo de homens, mundo esse que as mulheres sempre ajudarão a construir”.

As duas bebezinhas receberam os nomes Obiageli, que significa “Aquela que veio para desfrutar da riqueza”, e Malachi, que significa “Você não sabe o que trará o amanhã”.