[ N.96 | 2023]

Da casa de Iemanjá 

Audre Lorde

Minha mãe tinha duas caras e uma frigideira
na qual ela preparava suas filhas
para serem meninas
antes de cozinhar nosso jantar.
Minha mãe tinha duas caras
e uma panela quebrada
onde ela escondia uma filha perfeita
que não era eu
eu sou o sol e a lua e eternamente faminta
pelos olhos dela.

Carrego duas mulheres nas minhas costas
uma retinta e voluptuosa e escondida
nos desejos de marfim da outra
mãe
pálida como uma bruxa
porém constante e familiar
servindo-me pão e terror
no meu sono
seus seios são âncoras imensas excitantes
na tempestade à meia-noite.

Tudo isso tinha sido
antes
na cama da minha mãe
o tempo não faz sentido
eu não tenho irmãos
e minhas irmãs são cruéis.

Mãe eu preciso
mãe eu preciso
mãe eu preciso da sua pretitude agora
como a terra precisa da chuva de agosto.

Eu sou
o sol e a lua e eternamente faminta
a lâmina afiada
onde o dia e a noite devem se encontrar
e não ser
um.