[N.102 | 2024]

Quase todas sobrevivemos às mães

Deborah Couto

Cecília flagrou Eva chorando no banheiro. Um de seus brinquedos de pelúcia estava jogado na privada. Ninguém viu como ele foi parar lá. A mãe pegou a menina no colo e a levou para o seu quarto, disse que não tinha problemas, logo iriam a uma loja comprar um novinho. Eva, que estava inconsolável, foi se acalmando e se voltou a outra distração.

Na cozinha Janaína já ajudava a mãe. Colocava as suas roupas e as de Andrea na máquina de lavar enquanto Andrea preparava o café.

Na casa de Angra Andrea também ajudava sua mãe. O varal delas ficava atrás da casinha de fundos. Era ela quem lavava as roupas da família enquanto a mãe estava trabalhando na casa grande. Desde cedo ela aprendeu tudo, fazer as refeições para o pai, varrer, passar pano. Quando a casa — a da família de Caio — estava cheia de visitas, com mais crianças, era chamada para brincar. Então se enturmava com o grupo de pequenos convidados que nadavam na piscina, comiam churrasco, jogavam bola. Mas quando não tinha ninguém ela voltava à rotina dela.

Quando se mudou para o Rio Andrea fez muitas amizades, principalmente na faculdade. Gostava mais de samba que de funk. Antes de conhecer Antônio era com as amigas que circulava pela cidade atraindo os olhares dos homens pelos quais passava. Não queria saber deles, focada nos estudos que sempre foi. Quando finalmente conseguiu alugar sua casa, escolheu morar perto da sua turma. Sua amiga Simone era vizinha. E tinha Celeste. Nos fins de semana faziam almoços e tomavam cerveja juntas e nos fins dos dias cansativos de trabalho era com elas que Andrea assistia à novela em silêncio.

Quando Janaína nasceu, sua mãe contou com as melhores amigas nos momentos mais difíceis. Andrea teve que parar de trabalhar para ter a filha e teve a ajuda da vizinhança. Além de Simone e Celeste, um casal de idosos sem filhos que morava na casa ao lado comprou toneladas de pacotes de fralda. No chá de fralda — que não foi de fralda — ela ganhou roupinhas e outros presentes. Não é que tenha faltado alguma coisa para Janaína.

Agora durante o isolamento, Andrea não fala mais com a maioria dessas pessoas. Celeste ficou na casa quando ela foi morar com Caio e Cecília no nascimento de Eva e agora está lá de novo. Seu José, o idoso do casal, morreu logo no começo da pandemia e às vezes ela pensa na solidão de sua mulher. Janaína, nesse aspecto, está melhor. Apesar de não ir à escola, encontra virtualmente as suas colegas todo dia. Deve ter alguma forma de conversar com elas que Andrea não sabe. Às vezes, muito poucas, pega emprestado o celular da mãe.