Transando, mas já bem sonolentos, no meio da noite, fiquei com medo de que Miles acidentalmente gozasse dentro de mim. De repente, aquilo me pareceu uma pena de prisão — uma coisa terrível que se abateria sobre nós, sem retorno, o oposto do meu desejo, toda a esperança esvaída. Eu vi nós dois, com nossos sonhos destruídos.
Já fiz tantas coisas para evitar isso incluindo um aborto, pílula do dia seguinte em diversas ocasiões, e só escolher homens que não queriam filhos, ou pelo menos nunca ficar com um que realmente quisesse.
Além do mais, existem tantos tipos de vida para dar à luz neste mundo, fora a vida humana literal. E existem crianças em toda parte, e pais precisando de ajuda em toda parte, e tanto trabalho a ser feito, e vidas a serem afirmadas, que não necessariamente são as vidas que escolheríamos caso começássemos tudo outra vez. O mundo precisa de uma mãe. Não preciso inventar uma vida nova em folha para que minha vida tenha o calor que eu imagino que a maternidade traria. Em toda parte existem vidas e deveres que estão clamando por uma mäe. E essa mãe poderia ser você.
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Na verdade, a coisa mais difícil é não ser mãe — se recusar a ser a mãe de quem quer que seja. Não ser mãe é a coisa mais difícil do mundo. Há sempre alguém pronto a se meter no meio do caminho que leva uma mulher a sua liberdade, percebendo que ela não é mãe, tentando transformá-la em uma. Sempre haverá um homem ou outro, ou sua mãe e seu pai, ou alguma jovem ou algum jovem que se mete no meio da sua luminosa e cintilante estrada para a liberdade, e se adotam como filhos, forçando-a a ser sua mãe. Quem vai engravidá-la agora? Quem irá surgir, fincar os pés diante dela, e dizer com um sorriso: Oi, mãe! O mundo está cheio de gente desesperada, pessoas solitárias e meio desarranjadas, pessoas sem solução e pessoas carentes com sapatos que fedem e meias esburacadas que fedem — pessoas que querem que você faça com que tomem suas vitaminas, ou precisam do seu conselho a todo momento, ou que simplesmente querem conversar, tomar uma cerveja — e te persuadir a ser a mãe deles. É difícil perceber quando está acontecendo, mas antes que você perceba — aconteceu.
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O problema mais feminino que existe é não se conceder tempo ou espaço o bastante, ou não se permitir isso. Nós nos esprememos todas para entrar nos momentos que nos concedemos, ou os que nos foram concedidos. Não nos esparramamos no tempo, languidamente, mas nos concedemos os menores lotes de tempo para, mal e parcamente, existirmos. Deixamos que todos nos ocupem. Tratando-se de tempo espaço, somos avarentas com nós mesmas. Mas ter filhos não gera a distribuição de tempo e espaço mais avarenta de todas? Ter um filho soluciona esse ímpeto de não se dar nada. Transforma esse ímpeto em uma virtude. Se alimentar por último por abnegação, se encaixar nos menores espaços na esperança de ser amada — isso é algo inteiramente feminino. Ser virtuosamente avarenta consigo mesma em troca de amor — ter filhos te leva a isso mais rápido.
Quero ocupar todos os espaços do tempo que eu puder, me esparramar e vagar sem rumo, e me conceder os maiores lotes de tempo para não fazer nada com eles — deixar que minhas obrigações caiam por terra, não responder a ninguém, não agradar a ninguém, deixar todos esperando, grosseiramente, e não tentar cair nas boas graças de ninguém; não acumular bons modos que seriam distribuídos para basicamente qualquer um na esperança de ser agradável, para que eu não seja expulsa da sociedade, como temo que serei caso não me comporte cautelosamente, como uma boa criada.
Por isso sou nostálgica da minha adolescência. Porque naquela época nem passava pela minha cabeça ser gentil com os outros. Olho para trás e vejo aquela época como um momento de grande liberdade — mas essa era a grande liberdade, o fato de que eu não me importava. Eu não posso me importar mais do que já me importo. Sinto que acabaria comigo. Ter filhos é agradável. Ser não agradável seria uma grande vitória. Um filho é a coisa mais agradável do mundo. Será que um dia eu vou querer ser tão agradável assim?