[126 | 2024]

Enquanto [fragmento]

Maria Carolina Fenati

São os meus seios que dizem que tenho filhas. Quando me olho no espelho, quando visto o maiô, quando minhas meninas se deitam no meu colo como se fossem bebês e saltam dele crescidas e alegres, quando desejo e sou desejada por alguém – meus seios dizem que tenho filhas. Das duas vezes que engravidei, eles ficaram enormes antes que eu soubesse que na barriga havia uma bebê. Quando ainda sentia vertigem por estar grávida, sonhei que meus seios eram feitos de pedras preciosas que rolavam umas sobre as outras e entre elas brotava o leite. Começando pelos seios, a maternidade me envolvia, e o que eu imaginava antes sobre estar grávida dissipava-se como poeira. Sobre os seios da minha mãe, escuto desde criança que não me amamentaram, que tive uma mãe de leite e que por isso minha prima é minha irmã de leite. Os seios da minha avó eram quedas d’água apoiadas na parede de rocha que era o seu tronco. O bico ficava para baixo e eu imaginava que algumas crianças poderiam disputar com a boca o líquido que escorria deles enquanto ela cuidava de outras crianças – quando minha avó já quase não se levantava, minhas tias passavam talco embaixo dos seus seios para que a pele não ferisse, e nós sentíamos o seu perfume.

Quando era criança e comecei a sentir meus mamilos crescerem, eles eram dois pontos salientes e ardidos no tronco liso, que pouco a pouco se tornavam redondos. Quando olhava de cima, meus seios eram pequenas elevações, e entre elas abria-se um intervalo profundo, tão mais fundo quanto mais eu me distanciava da infância. Com treze anos, eu tinha seios macios, pontudos e firmes, e continuava brincando com as amigas na praça, embora percebesse que me elas olhavam de outro jeito, como os adultos me olhavam diferente quando caminhava para a escola ou despia-me para a natação. Numa tarde, eu vestia uma blusa de algodão sem sutiã, e depois de dançarmos juntas um dos hits adolescentes dos anos 1990, minhas amigas e eu jogamos nossos corpos no gramado. Um homem cruzou comigo, olhou para os meus seios e eu olhei também, não para ele e sim para os meus seios. Quando subi de novo o rosto, o homem já estava do meu lado e disse que lamberia os meus peitos para eu aprender a gozar. Eu não sabia o que fazer – vesti um sutiã e precisei afastar a sensação da boca daquele homem se lambuzando em mim. Este foi o homem daquela tarde, e foram vários os outros que me invadiram com o seu desejo antes que eu mostrasse qual era o meu.

No sexo, os seios eram parte do jogo erótico. Eu sentia prazer e excitação, gostava de ser tocada, de comprimi-los no corpo do outro, de vê-los soltos entre nós. Ainda assim, reconheci pouco a pouco que a minha sensibilidade não era suficiente para distinguir suas sutilezas sensíveis, e precisava de toques mais bruscos para me sentir estimulada. Descobri isso não exatamente fazendo sexo, e sim numa das práticas de meditação que frequentei. Os exercícios meditativos consistiam em voltar a escutar a sensibilidade de cada parte do corpo, abrindo-se a qualquer sensação – enquanto nas mãos ou na nuca eu sentia variações de temperatura e sensibilidade, nos seios eu não sentia mais do que a textura da blusa e a rigidez do bico. Embora erógenos, meus seios eram um pouco adormecidos – quando nadava, eles eram boias; no sexo, estavam entre o meu corpo e o corpo do outro; desde dentro, pareciam frutos pendurados ao tronco.

Com a maternidade, meus seios tornaram-se acesos e velozes. Durante a gravidez, eles cresceram e os mamilos escureceram e, quando nasceram minhas bebês, encheram-se de leite. Não sofri tanto quanto outras mulheres na amamentação porque meus mamilos não ficaram feridos e não sangraram, mesmo sendo chupados de dia e de noite pelas pequenas bocas vorazes das minhas filhas. Ainda assim sofri de inchaço e colocava folhas de repolho no congelador para depois encaixá-las geladas no sutiã e aliviar a dor – eram as mãos de Nossa Senhora, me dizia minha avó, e eu dizia também. A amamentação era o ritmo do cotidiano, com ela eu conhecia as minhas bebês e a mim. Eu sentia aqueles corpos pequenos e vulneráveis no meu colo, as suas mãos pequenas e o seu cheiro, a pele fresca e indeterminada, o meu corpo atrelado ao tempo delas.

Eu alimentava as minhas filhas e o modo como sugavam os meus seios acendia neles uma força erógena – as crianças enrodilhadas no meu colo, as suas bocas enrodilhadas nos meus mamilos, e nós tecíamos o nosso vínculo pelas espirais dessa troca. Sentia a variação de velocidade com a qual mamavam, mais rapidamente quando tinham fome, mascando os mamilos quando começavam a ficar saciadas. As linguinhas se esticavam para buscar os seios quando os soltavam sem querer e rodavam em busca de mais leite. Quase sempre sugavam até adormecerem. Esse movimento nos seios estimulava leves contrações do útero, que reverberavam em ondas de sensualidade pelo ventre até o canal vaginal – entre elas e eu, trocávamos força libidinal. As bebês cresciam alimentadas por mim, sentíamos prazer, era exaustivo e desesperador – eu quase não dormia, vivia as oscilações do puerpério, estava exausta, cuidava ininterruptamente das minhas filhas. Quando elas choravam, mesmo quando eu não ouvia, meus seios irrigavam-se de leite, e eu imaginava que haveria um túnel entre os ouvidos e o útero, com labirintos e galerias. Da primeira vez que me afastei, meus seios arderam. Queria qualquer criança mamando no meu peito, ou ordenhar e colocar num pote, e, sem suportar a dor, consegui pedras de gelo, enfiei no sutiã e voltei para perto das bebês com a blusa molhada de leite e de água. Enquanto amamentei, não queria que meus seios fossem tocados por outras bocas que não as delas, e não me senti bem quando isso aconteceu. Seguimos assim por vários meses: uma filha e depois a outra, mamando de noite na poltrona vermelha do quarto delas e de dia em qualquer lugar.

Quando interrompi a amamentação, tinha a sensação de ter saído de um aquário. Talvez o foco libidinal que estava nas crianças fizesse com que eu sentisse os ouvidos tampados, mergulhada naquela relação sem palavras, marcada pela pele e pela troca de fluidos. Respirei para fora da nossa pequena bolha maternal, os tímpanos se expandiram, eu tinha a sensação de voltar a mim e a libido se dispersou. Voltei a desejar que meus seios fossem lambidos por outras bocas e quando aconteceu pude distinguir nuances de prazer que antes da maternidade eu não sentia. Meu corpo tinha uma intensa história recente e ela estava impressa naquela que se seguiria: meus seios tinham se tornado mais sensíveis e erógenos, eu distinguia as suas partes, movimentos densos e suaves podiam estimulá-los eroticamente. Enquanto escrevo, percebo que quase não falei sobre isso e que é raro ler sobre as relações entre sexo e maternidade, ou entre os efeitos que as crianças operam no prazer sexual das mulheres. Muito é repetido sobre o modo como as crianças operam a queda no corpo das mulheres e eu mesma olho para os meus seios e, algumas vezes, lamento que estejam caídos, esvaziados e sem o formato que tinham antes. A queda dos seios e a queda das mulheres – essa associação tão frequente ignora que a maternidade pode ser um outro modo das mulheres experimentarem e se relacionarem com a libido, com as suas bebês e para além delas.

Quando ainda amamentava minhas filhas, tive outro sonho com os meus seios. Começava com duas mulheres nuas e uma bebê viajando de carro por uma estrada. Fazia calor, as mulheres brincavam e cuidavam da bebê enquanto tocavam-se levemente. Repentinamente, surgiu um homem na estrada e elas pararam. Elas não entendiam o que ele dizia, sua língua era incompreensível, e mesmo assim era evidente que ele as desejava. No sonho, estão todos nus – as mulheres, a criança, o homem – e o que se segue é um instante de pausa. De muito perto, vi o colo de uma mulher: o pescoço e os seios, os mamilos endurecidos apontando para diferentes direções, um seio mais arredondado que outro. Essa visão durou alguns instantes, e o sonho retomou sua velocidade. Uma das mulheres deitou-se no asfalto, o homem aproximou-se e lambeu-a antes de deitar-se entre as suas pernas. A mulher deitada apoiou os cotovelos no chão, virou-se para ver a outra mulher que estava com a bebê no colo e fez um sinal para que ela se afastasse pela beira da estrada. No final do sonho, eu era as duas – era mulher deitada no asfalto e sentia o corpo do homem sobre o meu, os meus seios na boca dele; era a mulher que caminhava com a bebê no colo e sentia a sua pele roçar os meus mamilos.

É um sonho que repeti para não esquecer, e anos depois daquela noite continuo com as imagens muito vivas. Quando minhas bebês nasceram, minha libido era destinada a elas e a quase nada mais e, ainda que sentisse falta de desejar de outros modos, naqueles primeiros meses era elas que eu queria perto dos meus seios. Talvez por isso, a primeira sensação do sonho foi a de que ele reproduzia uma cisão violenta que naquele começo senti entre a mulher com a bebê e a mulher do sexo. No íntimo, sentia minha libido concentrada nas minhas filhas; socialmente, via repetir-se a cisão que aparta a mulher-para-tratar-sexualmente e a mulher-assexuada-protetora-da-bebê. Todavia, quando voltei às imagens do sonho, não era exatamente assim. Eu era a mulher com a bebê e era também aquela que sentia o prazer do sexo e do gozo com um homem, a mulher que se deitou no asfalto em resposta ao próprio desejo, destinada ao gozo. O sonho anunciava o retorno e a expansão dessa forma do prazer, sem rasurar o prazer da mulher com a bebê. E havia a sensação de que as mulheres do sonho se tocavam, inserindo entre aquelas que eu era outra forma de amor. Era um sonho com duas mulheres que amam homens e bebês, e amam uma à outra. Pouco a pouco, sua rememoração afastou a sensação da cisão. Era um sonho sobre a variação do prazer, com diferentes formas de intimidade entre os corpos. Com o sonho, o meu corpo não era único nem cindido – era variado.

O umbigo do sonho são os meus seios. É na imagem pausada do colo da mulher que se abre a espiral da experimentação variada do desejo. A boca do homem, a boca da bebê, o duplo corpo de mulher – os seios como metonímia do corpo no qual convivem duas e tantas. A reescrita libidinal dos meus seios tem a ambiguidade como condição – meu corpo não é determinado por funções e a maternidade não é um destino que me aparta de outros desejos. Sou aquelas mulheres do sonho e sou outras, desejo minhas filhas e o sexo, e também a língua e a escrita, a paisagem e a estrada, a viagem, a amizade, o homem e a fabulação. Essa era uma herança da minha maternidade e eu a reivindiquei em sonho. “Como cuando se abre una flor y revela el corazón que no tiene”, escreve Alejandra Pizarnick, é este o coração ambíguo que é o meu: está no meu peito e não o tenho.