[N. 133 | 2025]

A água é uma máquina do tempo [fragmento]

Aline Motta

Não tinha corpo e ainda brincava de bonecas. Lavava com sangue as bacias sujas do parto interrompido. O ventre se contraía e o feto escorregava ainda sem forma a cada gravidez malsucedida. Resíduos que traziam a memória da denúncia. Era o seu jeito de dizer não. A barriga não segurava bebês, ainda era um lugar impenetrável, inviolável, inquebrável. Começou com treze anos aquele aperto. O tempo agora passaria por um funil, estreito conta-gotas. Michaela não daria nenhum filho a Eurico.