[N.181 | 2025]

O tempo

Renata C. Moura

Quando criança, me encantava passar o tempo observando minha mãe. Todas as noites, antes de dormir, eu a via deslizar cuidadosamente um creme pelo rosto. Um movimento suave revelava a beleza do gesto de cuidar-se. Hoje, reencontro naquele gesto uma silenciosa conversa com o tempo, contorno com as mãos a passagem dos anos no rosto. No espelho, a pele se afrouxa como um tecido gasto, e a gravidade, em seu labor silencioso, redesenha os contornos do corpo com a paciência de uma artesã. Nos pequenos gestos, encontro ecos daquelas que vieram antes de mim. Em meu corpo, suas marcas sobrevivem ao tempo, seus traços encontram abrigo.

Minha avó costumava dizer que o tempo se esconde nos gestos simples, nos afazeres cotidianos. “O tempo mora no jeito de ajeitar o cabelo, de apertar as mãos no colo, de olhar pela janela.” Às vezes, me pego pensando em suas palavras, nas coisas que ela dizia como quem revela um antigo segredo. No reflexo do espelho, inclino a cabeça, observo a curva da pele que já começa a perder o viço, e, no ar, o cheiro do café me traz à memória: “As mulheres carregam o tempo no pescoço.” Penso na delicadeza do vinco das folhas secas no outono, uma pele que se dobra, guarda e revela o tempo vivido. Mas ela não falava sobre a pele. “Você vê o tempo é no jeito que cada pessoa levanta o queixo e sustenta a vida”, dizia ela, trazendo nas mãos uma história de poucos privilégios e no corpo a cartografia dos caminhos de onde viemos.

O tempo não se mede em relógios, e não é o espelho que me revela o tempo. Ele não me chega em linhas visíveis; o tempo costuma aparecer quando estou distraída. Outro dia nos encontramos quando eu ria, o riso me escapava leve e longo, como se carregasse outros tantos risos que já dei. O tempo já me veio sutil, fazendo o cansaço se estender mais do que antes, ou num silêncio que, às vezes, ocupa um espaço maior nas conversas. Com olhos que já não são de menina, vi o tempo sugerir sapatos mais largos. Ele também já chegou sem aviso, como na primeira vez em que, ao invés de correr para alcançar, me permiti parar para observar. Foi com o tempo que comecei a suspeitar que as mudanças no corpo acontecem primeiro por dentro.

O tempo ensina a soltar. Solto na dança o prazer do movimento e não mais a precisão do passo. Solto as certezas, as expectativas que não são minhas, os medos que herdei e os sonhos que já perderam o sentido. As palavras, tão cheias de tempo, solto pausadamente, como se cada uma fosse medida antes de escapar. Nesse jogo de fazer-se e desfazer-se, é nelas que crio outros tempos, outros sonhos. O instante se estica ou se dissolve, abrigando em si a eternidade de um lampejo. Passado, presente e futuro dançam juntos, se confundem e se recriam. As palavras se abrem aos desvios, tornam-se pontes para o indizível, tecem o (im)possível, reinventam e desordenam. Em cada uma delas, encontro a travessia, a fissura que se abre ao tempo.