[N.3 | 2023]

In vitro [fragmento]

Isabel Zapata

A primeira coisa que penso quando o médico me mostra a imagem dos dois embriões que estão quase a colocar no meu corpo é que o da esquerda é o irmão rebelde, com pressa de sair da sua membrana. O nome correto do médico em questão é embriologista: um biólogo especialista em morfogêneses, o desenvolvimento embrionário e nervoso desde a gametogênese até o nascimento dos seres vivos. Eu sorrio para ele, mas ele permanece sério.

Nesse momento, já despojei os embriões de qualquer característica humana. Recém-descongelados, eles são apenas zigotos de cinco dias de desenvolvimento: um amontoado de células. Se os chamo zigotos, fica mais fácil não pensar no irmão rebelde, que já quer sair do lugar onde passou oito semanas morrendo de frio. Quer dizer: morrendo de frio não, porque nunca esteve vivo. Por que então ele tem tanta pressa em se mover?

Se tivermos gêmeos, o da esquerda vai se parecer com Santiago, que não pode ficar parado em lugar nenhum, e o da direita comigo, que às vezes permaneço mais calma do que gostaria. Penso nisso quando a enfermeira me pede que tome outro copo d’água e vista a bata para começar o procedimento. A palavra procedimento não diz nada sobre a bexiga prestes a arrebentar, o espelho vaginal em forma de revólver, as injeções de progesterona que desenham um atlas de hematomas nas minhas nádegas, nem sobre o meu endométrio que batalha para alcançar os oito milímetros ideais de espessura.

*

Meu psicanalista começa a sessão dizendo que o desejo de ser mãe não é o mesmo que o desejo de ter um filho. Fico dando voltas em torno dessa ideia, mas não chego a entendê-la, de modo que, durante os quarenta e cinco minutos seguintes, divido minha infância em compartimentos, como se a vida fosse um armário e as recordações roupas que é preciso organizar por cor. Para entender por que estou nessa situação, tento tornar conscientes eventos que reprimi durante anos. Se aquilo que digo é verdade ou não, é o de menos: na psicanálise, os eventos pesam menos do que a maneira como os recordamos. 

Nesse processo de acomodação, falo de coisas que não têm muito sentido e de outras que soam artificiais, empostadas, como o roteiro de um filme que não veria nem mesmo na Netflix, numa tarde chuvosa de domingo em que não tivesse nada mais para fazer. A análise é uma encenação, um desdobramento radical. Com os pés sobre uma coberta que tenho vontade de jogar por cima de mim, me vejo falar sem me reconhecer em minhas próprias palavras, açoitando as frases como se estivesse com pressa. Tudo no meu discurso me é alheio: sou um rio que ignora a inclinação que o orienta. Quando titubeio, Fernando me diz que continue falando sem me esforçar tanto por colocar em ordem. A origem da linguagem – e a psicanálise é a cura pela palavra – não está na lógica, e sim na imaginação. 

*

Quando era mais nova pensava que a maternidade começava quando saíamos do hospital com um bebê nos braços. Até lá não haveria muito com o que se preocupar, até a gravidez não seria mais que comprar roupas no diminutivo e esfregar a barriga com óleos aromáticos. Já não consigo imaginar as cenas que antes concebia tão facilmente. Um bebê, que me parecia um início, na minha cabeça agora se assemelha mais a um fim. 

O princípio não é o bebê, é o óvulo. 

A enfermeira insere uns tubos de metal na maca, me pede que abra as pernas e as coloque ali; depois pega um pedaço de tecido azul e cobre meu corpo inteiro, com exceção de um buraco por onde se espreita a minha vulva exposta. Por meio de um ultrassom abdominal, mede a posição do meu útero e o estado do meu endométrio antes de me fazer uma limpeza cervical profunda. A doutora entra correndo uns minutos mais tarde, dizendo que um dos embriões já quer sair. É o irmão rebelde, penso, mas fico em silêncio.

Ainda que o procedimento de transferência embrionária não exija sedação, me sinto absolutamente narcotizada (a esperança é uma droga poderosa). Exceto por uma lâmpada entre as minhas pernas, a sala de operação está na penumbra, de modo que não vejo o embriologista se aproximar com uma bandeja de metal entre as mãos, como num filme de terror. Tampouco o escuto: minha bexiga está tão cheia que tenho zumbido nos ouvidos. A cânula não demora a avançar até meu útero, mas não me dou conta de que os embriões estão lá dentro até que a enfermeira assinala um ponto pequeno no meu endométrio, projetado na tela ao fundo. Tudo acontece em menos de dez minutos. Antes de sair, a médica me deseja sorte e me dá um abraço que sinto ser sincero.

De volta ao cubículo, enquanto espero a meia hora regulamentar para ir ao banheiro, Santiago tenta me distrair. Mas cada vez que ele diz cânula eu penso em catarata e minha bexiga começa a pulsar. Pego o celular e busco no Google: “FIV o que acontece se fizer xixi” e no primeiro link que aparece leio que a transferência se realiza mediante um procedimento “sensível, indolor e rápido”. Pior: que é um momento “emotivo e único”. Farta, deixo o aparelho de lado e digo aos gritos que se não vier ninguém vou fazer xixi ali mesmo, na maca. Logo penso nas dez semanas de injeções que tenho pela frente, se ficarei ou não grávida e no que vamos fazer com os outros dois embriões congelados se afinal não chegarmos a usá-los. Quando, por fim, posso ir ao banheiro, relaxo. Em um sopro inesperado de otimismo, penso que o embriologista os tratará bem. 

Depositamos em seu fantasma as esperanças e crenças que temos sobre você antes mesmo que você exista e sem saber sequer se vai existir. Sei que é trabalhoso escrever te usando como destinatária. Um engano do pior tipo, um recurso fácil como quando morreu a minha mãe e eu adormecia fazendo-lhe reclamações em voz alta. Isso persiste do luto: o medo de esquecer a voz dela. 

Você ainda não tem voz. Ainda assim às vezes consigo escutá-la.