[N.5 | 2023]

Brilha como vida [fragmento]

Maria Grazia Calandrone

Caí no Desamor aos quatro anos, quando Mãe revelou Eu não sou a sua Mamãe Verdadeira.

A de Mãe foi uma decisão antecipadora, de amor ansioso: ela tinha lido no jornal a notícia do suicídio (mais um! que curto-circuito na cabeça de Mãe!) de uma garota de dezoito anos que, ao preparar a documentação para o próprio casamento, descobrira ter sido adotada e retirara-se da vida. A garota devia ter sentido sabotadas as raízes de sua própria identidade. O futuro que estava fundando, nela, valia menos que o passado. As pessoas são esquisitas.

Aos quatro anos, eu não estava provavelmente perto de me casar, nem tinha a intenção de pedir nenhuma papelada relativa à minha própria ascendência: o de Mãe foi um escrúpulo decididamente precoce, mas sempre compreendi com sincera adesão o conflito que a induziu ao erro.
Nos anos sessenta, os pais procediam segundo a natureza de que dispunham por nascimento, mais raramente por cultura analítica, e agiam como melhor sabiam agir. Na falta de instinto parental ou sagacidade emotiva, não consultavam o timaço de psicólogos que hoje tende a inspecionar e rodear com almofadas de hipóteses e soluções muito bem pagas (talvez somente por isso solicitando aos auscultados a solucionarem suas próprias incertezas) os nossos incômodos domésticos e as oscilações nossas.

Na lenda familiar, transmitida pela própria memória de Mãe, parece que eu reagi à Notícia gigantesca com maturidade exemplar, abraçando-a viva e presente (só ela, como eu podia constatar, tinha um saudável senso prático) e respondendo que Não tem importância, Mamãe é você.
Uma investidura tão correta a ponto de soar inverossímil.
Pensei somente em sobreviver, dizendo a Mãe aquilo que eu imaginava que Mãe quisesse escutar, para que ela não me repudiasse?
Ou pronunciei aquelas palavras por ela, dizendo-as para fazê-la feliz?
Ou então Mãe foi piedosa com ela mesma e lembrou do que teria gostado de escutar, mas que eu não disse?
Ou era tudo verdade, o fato aconteceu assim como foi transcrito pela memória de Mãe e eu a amava tanto que Sua presença ganhava da potência ameaçadora de qualquer Fantasma?

*

É verdadeira a última hipótese, a amorosa. Posso afirmar isso como se afirma a Pura Verdade, porque já tenho prática com os meus modos interiores e lembro com viva e deslumbrante exatidão a interminada obsessão da minha infância, ao contrário terminada. Obsessão que se espalhou para além do tempo permitido nas provisórias (e por vezes providenciais) fixações infantis: o pavor de que Mãemamãeverdadeira morresse.

Quando Mãemamãeverdadeira pegava no sono, tomada pela sombra, eu controlava com o dedo umedecido sua respiração. Que noites ambíguas! A criança de vigília diante da mãe, vívida e respirante autonomamente.

Lembro de círculos numéricos regenerando-se como fênix e ouroboros, e de repetidos rituais propiciatórios, quando Mãemamãeverdadeira demorava para voltar do trabalho. Professora de Letras. Estávamos tão orgulhosas disso! Um trabalho conquistado bancando, sozinha, a si mesma e a sua própria Mãe, com ciclos de aulas particulares diurnas e sessões de estudo noturno sustentadas por uma máquina de tortura que, como veremos, lhe custará a visão: álcool pulverizado nos olhos e palitos para manter abertas as belas pálpebras, deixadas pesadas pelo sono.
Uma mulher de mil novecentos e dezesseis que, abandonada pelo Pai, ficou responsável por sua Mãe, a Nonna (Arquétipo tutelar que, no futuro remoto, me salvará), e a acolheu na própria casa por toda a vida. De fato, o Arqué- tipo vivia comigo, ainda não visto, enquanto eu percorria o corredor sem nunca pisar na comissura entre as placas de granilita de mármore, com os ouvidos atentos para interceptar o movimento dos contrapesos do elevador, dessa forma Mãe teria imediatamente voltado.

*

Aquela vez que Mãemamãeverdadeira adoeceu de uma misteriosa doença, vivi por dias na sua cabeceira, classificando flores e folhas em páginas de papel com furos. Um catálogo de melancolia vegetal. De noite, lia as narrativas do livro Coração, que ela tanto amava. Mamãe gosta de se emocionar.

Tenho, portanto, a certeza de que a Notícia da adoção tenha se depositado e derretido em mim como neve. Uma abstração, que não interferia na realidade, muito menos na realidade perturbada e cintilante do meu amor, infantil e por vir.
Mãe, ao contrário, saiu gravemente ferida de sua própria revelação.

Mãe tinha confessado à filha, por amor, que não tinha filhos.

Aos olhos orgulhosíssimos de Mãe, foi como confessar uma falta.
E que expressão autolesiva dirigiu contra ela mesma! Ela, que sempre tinha palavras para tudo, ela que queria escrever um romance, ela que encantava os estudantes com sua fala brilhante, dirigiu contra sua pessoa uma expressão gasta e convencional. Um efeito do pânico. Mamãe Verdadeira era a outra. Atribuir a si mesma um papel falso! Tinha inoculado no próprio corpo um quê de plástico, de moeda que não ressoa, de boneca de borracha. Mamãe Falsa. Coitada, coitada da minha Mãe!

*

A partir desse momento, ela não acreditou mais no meu Amor.
Tal como quem apressadamente se despiu e não pode mais voltar atrás. O que se viu, se viu. Na memória de Mãe, instalou-se um Antes, no qual eu era afetuosa e obediente. A criança “mansa” que com toda evidência, conhecendo-me ainda hoje, nunca fui, nem poderia ter sido. Aquela criança angelical foi instituída a posteriori pelo medo de Mãe. E se tornou o sinal de sua Grande Decepção. Pois aqui já estava em vigor o Presente, a dor da separação. Uma Verdade, revelada por Mãe, tivera o efeito paradoxal de torná-la Falsa, ainda que somente a seus olhos.

*

Podemos então relatar o momento da revelação da notícia minúscula como um parto
com palavras, acompanhado por um imenso derramamento de sangue.
Mãe agora sabia que eu sabia que o seu sangue não era o meu sangue.
Mãe acreditava que o amor não pudesse se tornar sangue.
Errava, por insegurança e excesso de lógica. Mas foi assim.

A nossa cama — dormia com ela, na cama de casal — foi progressivamente invadida por uma enorme privação.
Quanto mais o sangue de Mãe se recolhia em si, ofendido e dolente, mais o meu sangue jorrava ao seu encontro cintilante, rutilante e eloquente, para acabar com aquele estrondo congelante de universo em abandono.

Sangue doado como flor sem valor.
Pobre sangue pálido de palavras.

Duas crianças não se falam mais.
Duas folhas ressequidas para se abrigar do vento.
Duas bocas que falam de planos espaço-temporais incomunicantes. Como mortos com vivos. Como num filme de ficção científica. Como na realidade.

Com o tempo, a notícia escavou um sulco oceânico no mistério afetivo de Mãe, entre ela e o amor que eu nutria. Que ela nunca mais viu. Mas eu
era toda feita daquele amor, não tinha outra coisa.

Foi assim que ela deixou de me ver.
Foi assim que iniciou a me perseguir.
Foi assim que, no final, ficou cega.
E foi assim que parei de pintar
quadros que ela já não podia ver
e tentei a poesia.

Roma, 5 de junho de 2020