[N.56 | 2023]

A criança cristal

Rivka Galchen

Minha mãe me contou que as pessoas lhe dizem, quando ela está na rua com a bebê, que a bebê é uma criança cristal. Algumas pessoas pedem permissão para tocar a bebê, porque o contato com crianças cristais cura. “Você deveria pesquisar o que é uma criança cristal”, já me disse várias vezes minha mãe, que tem mestrado em ciências da computação e graduação em matemática. Desde o primeiro momento que viu a bebê, minha mãe achou que ela era uma criatura superior e excepcional; atribuir qualidades de criança cristal a ela faz parte dessa história em curso.

Enfim decido pesquisar sobre crianças cristais. Na internet.

Descubro que, ao contrário das crianças arco-íris, as crianças cristais têm problemas porque acreditam que podem mudar o pensamento das pessoas e, com isso, curar o mundo; as crianças arco-íris, ao contrário, entendem que não podemos mudar as pessoas, podemos apenas amá-las como elas são; crianças arco-íris são então menos frustradas do que crianças cristais. As crianças cristais nasceram, explica um site, sobretudo na década de 90, enquanto as crianças arco-íris chegaram, em sua maioria, no novo milênio – antes da geração de crianças cristais houve a geração de crianças índigo – , e então talvez a puma seja na verdade uma criança arco-íris, em vez de uma criança cristal, ou talvez ela seja parte de uma geração ainda mais nova, que ainda precisa de um epônimo.

Talvez, do mesmo jeito que as crianças na Idade Média que nasciam com hipotireoidismo congênito (como era comum antes de o sal ser iodado, pois o iodo é fundamental para o desenvolvimento da tireoide) tinham certa aparência e mentalidade diferentes da maioria, e por isso eram chamadas de chrétiens — um termo que, com o tempo, infelizmente se tornou crétins, apesar de seu significado no passado ter sido “cristãs” — , cristal, arco-íris e índigo sejam termos que, apesar de não serem norma, são quase sempre usados para se referir a crianças que são incomuns de um jeito associado com mais frequência ao autismo e à síndrome de Down.

Por alguma razão, começo a acreditar em crianças cristais e na ideia de que minha filha tem poderes especiais de cura atribuídos a crianças cristais. Começo a acreditar nisso, ainda que, ao contrário da minha mãe, eu não tenha mestrado em ciências da computação ou graduação em matemática. Certo dia, li que Isidoro de Sevilha, no século VII, já dizia que o mundo era redondo e de algum jeito sabia disso pela intuição, então decido que crianças cristais são relevantes.

Mas ainda não entendo por que ninguém nunca me parou na rua para falar sobre crianças cristais, por que razão pararam apenas minha mãe. E não entendo por que minha mãe, em geral tão desconfiada de qualquer comentário feito pelos “outros”, é tão receptiva a esses comentários. Alguém que é importante para mim falou: “Isso parece um método para amar e valorizar crianças que são difíceis”. “Sim”, eu disse, “faz sentido”. “Talvez sua mãe esteja lhe dizendo que ela é uma criança cristal. Ou que você é uma criança cristal.”