[N. 146 | 2025]

As maravilhas [fragmento]

Elena Medel

Nando sempre lhe pede, me dê pelo menos isso, Alicia. “Isso” já não é o casamento, ao que Alicia dobrou-se porque lhe garantia aquele apartamento triste num bairro triste, nem os filhos; Nando aceitou – ou quase – que nunca nascerão. “Isso” é o que seu marido às vezes lhe impõe disfarçado de fins de semana com o grupo de ciclistas, de belas paisagens em companhia que podia ser melhor, ou de mais alguns dias na praia com a mãe dele, com que Alicia exerce a saudável prática do silêncio; “isso” também vem disfarçado de noite de sábado na casa de um casal de amigos, ou de um jantar num restaurante do bairro. Alicia se meteu nisto – “isto”, não “isso”: Nando, morar com Nando, casar-se e adaptar sua vida à dele –, portanto, sua recusa de ter filhos a obriga a uma concessão cotidiana: se você quer algo, deve oferecer algo em troca, e se você se recusa a fazer algo, deve fazer uma compensação. Alicia ainda está em tempo: e se disser que sim, que tudo bem, e der a sorte de engravidar logo, e daqui um ano acoplarem um berço à cama para ouvir o berreiro bem de perto? Quanto custaria a Alicia perder os quilos que ganhasse na gravidez? Seus patrões a recompensariam por ter passado anos e anos explicando que o hambúrguer não está incluído na promoção, ou vão simplesmente trocá-la por uma garota dez anos mais jovem, que não se importe em ganhar uma miséria, assim como ela? O sutiã encharcado de leite, a barriga flácida. Teria que pensar em outra estratégia para quebrar o gelo, porque Alicia já aceita homens muito velhos ou idiotas na falta de coisa melhor, mas teme que nem mesmo esses tipos tolerem seu corpo de mãe: um corpo de mãe não é um grande prêmio para homem algum. Seu corpo de mãe, Alicia consegue imaginá-lo? Como ela pensa que Nando vai encarar seus seios ainda mais caídos, suas coxas tomadas de estrias? Nando deixará de pronunciar seu nome, e quando falar com ela – até mesmo em público – passará a chamá-la de “mãe”, como se Alicia tivesse vivido um parto duplo. Antes disso, Nando terá evitado o sexo por medo de que uma investida possa comprometer o brilhantismo mental da sua prole – mais uma vantagem para Alicia: que sua transformação de esposa em mãe a proteja do desejo do marido –, e a brindará com chazinhos contra o enjoo dos primeiros meses, com colares mordedores e roupa de amamentação. Alicia pensa num bebê – Alicita, digamos – que não existe, o que lhe permite deleitar-se com a ideia de Alicita, com o que ela imagina que Alicita seria – terá seus olhos de rato ou os olhos de Nando? –, e passeia pelo Google: vestidos para gestantes, blusas de maternidade, seus peitos num desses sutiãs horrorosos. Quem sabe durante a gravidez ela tenha a sorte de Nando se envolver com uma das moças que trabalham na loja, no administrativo – ele costuma falar de várias, simpáticas, muito preparadas: Alicia não se lembra dos nomes –, e a deixe em paz por algum tempo, por vários meses, pelo resto da vida. O que ela faria com Alicita, então, se Alicita existisse e Nando lhe desse uma trégua? A primeira coisa que lhe vem à mente é usar a criança em suas escapadas pela cidade: que um homem a aborde com o pretexto de oferecer ajuda para dobrar o carrinho, que alguma graça para o bebê propicie a conversa na plataforma do metrô. Qual a idade da menina? – Alicita no seu vestidinho de renda cor-de-rosa, com dois brinquinhos de pérola nas orelhas furadas logo que nasceu –, e ela responderá muito animada e inventará alguma história, aproveitando que Alicita não entende nada, nem sofre, nem ouve, só quer saber mesmo de chorar e mamar e cagar e que alguém a limpe: Alicita estacionada ao lado do porta-guarda-chuvas, num apartamento de Palomeras ou de Las Tablas, enquanto sua mãe dá para um desconhecido que depois lhe pede o telefone para voltarem a se encontrar, e que por várias semanas enviará fotos do pau para um professor de matemática em Cartagena, cujo número é quase igual ao de Alicia. Ela não segura a gargalhada, mesmo que os clientes a escutem: e se Alicita guardar alguma imagem, algum som desses encontros? Até o fim da vida, sua filha verá em sonhos um corpo de mulher em cima de um corpo de homem, um corpo de homem em cima de um corpo de mulher, a textura rugosa das paredes de um apartamento que conserva móveis de trinta anos atrás, alguém pedindo para alguém descer, alguém pedindo para alguém subir, de repente, no instante de acordar, Alicita descobrindo seu rosto no rosto da mulher deitada ao lado de um corpo do qual não sabe nada e que a mulher despreza, encharcada de suor, verdadeiramente feliz por um instante.