[N. 85 | 2023]

As pequenas virtudes [fragmento]

Natalia Ginzburg

No que diz respeito à educação dos filhos, penso que se deva ensinar a eles não as pequenas virtudes, mas as grandes. Não a poupança, mas a generosidade e a indiferença ao dinheiro; não a prudência, mas a coragem e o desdém pelo perigo; não a astúcia, mas a franqueza e o amor à verdade; não a diplomacia, mas o amor ao próximo e a abnegação; não o desejo de sucesso, mas o desejo de ser e de saber.

No entanto fazemos frequentemente o contrário: apressamo-nos a ensinar o respeito pelas pequenas virtudes, fundando sobre elas todo nosso sistema educativo. Desse modo, escolhemos a via mais cômoda: porque as pequenas virtudes não apresentam nenhum perigo material, ao contrário, nos mantêm ao abrigo dos golpes da sorte. Descuidamos de ensinar as grandes virtudes, apesar de amá-las, e gostaríamos que nossos filhos as assimilassem: mas nutrimos a confiança de que elas emergirão espontaneamente de seu espírito, num dia futuro, considerando-as de natureza instintiva, ao passo que as outras, as pequenas, nos parecem fruto de reflexão e cálculo, e por isso pensamos que devam ser absolutamente ensinadas.

Na verdade a diferença é só aparente. As pequenas virtudes provêm igualmente do fundo de nosso instinto, de um instinto de defesa: mas nelas a razão fala, sentencia, disserta, como um brilhante advogado da integridade pessoal. As grandes virtudes jorram de um instinto em que a razão não fala, um instinto ao qual me seria difícil dar um nome. E o melhor de nós está nesse instinto mudo, e não em nosso instinto de defesa, que argumenta, sentencia e disserta com a voz da razão.

A educação não é outra coisa senão um certo vínculo que estabelecemos entre nós e nossos filhos, certo clima no qual florescem os sentimentos, os instintos, as ideias. Ora, creio que um clima todo inspirado no respeito às pequenas virtudes resulte insensivelmente em cinismo, ou no medo de viver. Em si mesmas, as pequenas virtudes não têm nada a ver com o cinismo ou com o medo de viver: mas todas juntas, e sem as grandes, geram uma atmosfera que leva àquelas consequências. Não que as pequenas virtudes sejam, em si mesmas, desprezíveis: mas seu valor é de ordem complementar, e não substancial; elas não podem estar sós, sem as outras, e são – quando desacompanhadas – um pobre alimento para a natureza humana. O modo de exercitar as pequenas virtudes, em medida temperada e quando for de todo indispensável, o homem pode encontrá-lo em torno de si e bebê-lo no ar: porque as pequenas virtudes são de uma ordem bastante comum e difusa entre os homens. Mas as grandes virtudes, essas não se respiram no ar: e devem ser a primeira substância da relação com nossos filhos, o primeiro fundamento da educação. Além disso, o grande também pode conter o pequeno: mas o pequeno, por lei natural, não pode jamais conter o grande.

Não ajuda em nada buscarmos recordar e imitar, nas relações com nossos filhos, os modos com que nossos pais nos educaram. A época de nossa infância e juventude não era um tempo de pequenas virtudes: era um tempo de palavras fortes e sonoras, que pouco a pouco, porém, perdiam sua substância. Agora é um tempo de palavras flébeis e frígidas, sob as quais talvez refloresça o desejo de uma reconquista. Mas é um desejo tímido e cheio de temor do ridículo. Assim nos revestimos de prudência e astúcia. Nossos pais não conheciam nem prudência nem astúcia; não conheciam o medo do ridículo; eram inconsequentes e incoerentes, mas nunca se davam conta; frequentemente se contradiziam, mas nunca admitiam ser contestados. Usavam conosco de uma autoridade que seríamos completamente incapazes de usar. Convictos de seus princípios, que supunham indestrutíveis, reinavam sobre nós com poder absoluto. Éramos ensurdecidos por palavras tonitruantes; um diálogo era impossível, porque assim que suspeitavam que haviam errado nos mandavam calar a boca; batiam o punho na mesa, fazendo a sala tremer. Recordamos aquele gesto, mas não saberíamos imitá-lo. Podemos ficar furiosos, uivar feito lobos; mas no fundo de nossos uivos de lobo há um soluço histérico, um rouco balido de cordeiro.

Portanto não temos autoridade: não temos armas. A autoridade, em nós, seria uma hipocrisia e uma ficção. Somos demasiado conscientes de nossa fraqueza, demasiado melancólicos e inseguros, demasiado conscientes de nossas inconsequências e incoerências, demasiado conscientes de nossos defeitos: olhamos dentro de nós com muita demora e vimos em nós coisas demais. E, como não temos autoridade, devemos inventar uma outra relação.

Hoje, que o diálogo se tornou possível entre pais e filhos – possível, embora sempre difícil, sempre cheio de cautelas recíprocas, de recíproca timidez e inibição –, é preciso que nós, nesse diálogo, nos revelemos tal como somos, imperfeitos, e confiantes de que eles, nossos filhos, não se pareçam conosco, que sejam mais fortes e melhores que nós.

Como estamos todos premidos, de uma maneira ou de outra, pelo problema do dinheiro, a primeira pequena virtude que nos ocorre ensinar aos nossos filhos é a poupança. Damos a eles um mealheiro, explicando como é bom guardar o dinheiro em vez de gastá-lo, de modo que, após alguns meses, haja ali um bom montinho de moedas; e como é bom resistir à vontade de gastar para, ao final, poder comprar um objeto de valor. Recordamos que, em nossa infância, ganhamos de presente um mealheiro igual; mas esquecemos que, no tempo de nossa infância, o dinheiro e o gosto de conservá-lo eram algo menos horrível e sujo que hoje: porque quanto mais o tempo passa, mais o dinheiro é sujo. Então o mealheiro é o nosso primeiro erro: instalamos em nosso sistema educativo uma pequena virtude.

Aquele pequeno cofre de barro, de aspecto inócuo, em forma de pera ou de maçã, passa a morar meses e meses no quarto de nossos filhos, que se habituam à presença dele; se habituam ao prazer de introduzir, dia a dia, o dinheiro na fenda; se habituam ao dinheiro guardado lá dentro, que ali, em segredo e no escuro, cresce como uma semente no seio da terra; se afeiçoam ao dinheiro, primeiro com inocência, como nos afeiçoamos a todas as coisas que crescem graças ao nosso zelo, plantinhas ou pequenos animais; e sempre imaginando aquele objeto caro, visto numa vitrine, que poderemos comprar – como nos disseram – com o dinheiro poupado. Quando finalmente o cofre é quebrado, e o dinheiro, gasto, os meninos se sentem sós e frustrados; não há mais dinheiro no quarto, guardado no ventre da maçã, e já não há nem mesmo a rósea maçã: em vez disso, há um objeto por muito tempo imaginado na vitrine, do qual nós louvamos a importância e o valor, mas que agora, ali no quarto, parece cinzento e sem graça, murcho após tanta espera e tanto dinheiro. Os meninos não culparão o dinheiro por essa desilusão, mas o próprio objeto: porque o dinheiro perdido conserva na memória suas promessas vãs. Os meninos pedirão um novo cofre e mais dinheiro para guardar; e dedicarão ao dinheiro pensamentos e uma atenção que deveriam estar voltados para outras coisas. Preferirão o dinheiro às coisas. Não faz mal que tenham sofrido uma desilusão; faz mal que se sintam sozinhos sem a companhia do dinheiro.

Não deveríamos ensiná-los a poupar: deveríamos habituá-los a gastar. Deveríamos dar-lhes com frequência alguns trocados, pequenas somas sem importância, e incentivá-los a gastar logo, como bem quiserem, seguindo um capricho momentâneo: os meninos comprarão alguma miudeza, que esquecerão logo, assim como se esquecerão do dinheiro gasto tão depressa e sem pensar, ao qual não chegaram a afeiçoar-se. Quando tiverem nas mãos essas miudezas, que serão logo quebradas, os meninos vão ficar um pouco decepcionados, mas rapidamente esquecerão tanto o desgosto com as miudezas quanto o dinheiro; aliás, associarão o dinheiro a algo de momentâneo e estúpido; e pensarão que o dinheiro é estúpido, como é justo pensar durante a infância.

É justo que os meninos vivam os primeiros anos de suas vidas ignorando o que é o dinheiro. Às vezes isso é impossível, se formos muito pobres; e às vezes é difícil, se formos muito ricos. Contudo, quando somos muito pobres, quando o dinheiro está estritamente ligado a um fato de sobrevivência cotidiana, a uma questão de vida ou morte, ele se traduz tão imediatamente aos olhos de um menino em comida, lenha ou pão, que não tem meios de arruinar-lhe o espírito. Porém, se formos assim, assim, nem ricos nem pobres, não será difícil deixar que um menino viva sua infância sem saber bem o que é o dinheiro e sem se interessar minimamente por ele. No entanto, nem muito cedo nem muito tarde, é preciso acabar com essa ignorância; e, se tivermos dificuldades econômicas, é necessário que nossos filhos, nem muito cedo nem muito tarde, tenham conhecimento disso; assim como é justo que a certa altura eles compartilhem conosco nossas preocupações, nossos motivos de contentamento, nossos projetos e tudo o que concerne à vida familiar. E, habituando-os a considerar o dinheiro como algo que pertence igualmente a nós e a eles, e não mais a nós que a eles, ou o contrário, também podemos convidá-los a serem sóbrios, a estarem atentos ao dinheiro que gastam; e desse modo o convite à poupança deixa de ser respeito às pequenas virtudes, um convite abstrato a ter respeito por uma coisa que não merece respeito por si, como o dinheiro; mas é recordar aos meninos que o dinheiro de casa não é muito, um convite a sentirem-se adultos e responsáveis diante de uma coisa que pertence tanto a nós quanto a eles, uma coisa não particularmente bela nem amável, mas séria, porque está ligada às nossas necessidades cotidianas. Mas não muito cedo nem muito tarde: o segredo da educação está em adivinhar os tempos.

Ser sóbrio consigo mesmo e generoso com os outros: isto significa ter uma relação justa com o dinheiro, estarmos livres diante do dinheiro. E não há dúvida de que, nas famílias em que o dinheiro é ganho e prontamente gasto, em que escorre como água limpa da fonte e, praticamente, não existe como dinheiro, é menos difícil educar um jovem para esse equilíbrio, para essa liberdade. As coisas se tornam complicadas ali onde o dinheiro existe e existe pesadamente, água de chumbo, estagnada, que exala miasmas e odores. Rapidamente os jovens percebem a presença desse dinheiro na família, como uma potência oculta, de que nunca se fala em termos claros, mas à qual os pais aludem, conversando entre si, com nomes complicados e misteriosos, com uma plúmbea fixidez nos olhos, com uma ruga amarga na boca; dinheiro que não é simplesmente guardado na gaveta do escritório, mas campeia sabe-se lá onde, podendo a qualquer momento ser sugado pela terra, sumindo sem remédio para sempre, engolindo a família e a casa. Em famílias como essas, os jovens são continuamente advertidos a gastar com parcimônia, todo dia a mãe os incita à atenção e à economia, quando lhes dá o trocado para o bonde; e há no olhar da mãe aquela preocupação de chumbo, aquele profundo vinco na fronte, que sempre surge quando o assunto é dinheiro; há o obscuro terror de que todo o dinheiro se desmanche no nada, de que até os poucos trocados possam significar as primeiras migalhas de um desmoronamento súbito e mortal. Os jovens dessas famílias não raro vão à escola com roupas puídas e sapatos gastos, e precisam suspirar longamente, às vezes em vão, por uma bicicleta ou uma máquina fotográfica, objetos que alguns colegas certamente mais pobres possuem há tempos. E quando finalmente a bicicleta que desejam lhes é dada, o presente é acompanhado da severa recomendação de não estragar nem emprestar a ninguém um objeto tão luxuoso, que custou tanto dinheiro. Os apelos à economia, em casa, são perenes e insistentes: a ordem é comprar os livros da escola em sebos, e os cadernos, no Standard. Isso ocorre em parte porque os ricos muitas vezes são avaros, porque se acham pobres; mas sobretudo porque as mães das famílias ricas, mais ou menos conscientemente, têm medo das consequências do dinheiro e procuram proteger seus filhos, forjando em torno deles uma ficção de hábitos simples, acostumando-os até a pequenas privações. Mas não há pior erro que fazer um jovem viver em tal contradição; o dinheiro fala em qualquer canto, na casa, sua linguagem inconfundível; está presente nas porcelanas, na mobília, na prataria pesada, está presente nas viagens confortáveis, nas férias luxuosas, nos cumprimentos do porteiro, na cerimônia dos criados; está presente nas falas dos pais, é a ruga na testa do pai, a profunda perplexidade no olhar materno; o dinheiro está em toda parte, intocável porque talvez terrivelmente frágil, algo com que não se pode brincar, um deus fúnebre ao qual não se pode dirigir senão num sussurro; e, para honrar esse deus, para não molestar sua lutuosa imobilidade, é preciso usar o casaco do ano anterior, que ficou curto, e estudar a lição em livros desencadernados e sebosos, e divertir-se com a bicicleta do camponês.

Se, sendo ricos, quisermos ensinar a nossos filhos hábitos simples, deve ficar bem claro que todo dinheiro poupado com esses hábitos deverá ser gasto sem parcimônia com outras pessoas. Hábitos como esses só fazem sentido se não forem avareza ou temor, mas livre escolha da simplicidade em meio à riqueza. Um jovem de família rica não aprende a sobriedade porque o fazem vestir roupas velhas, ou porque o fazem comer maçãs verdes na merenda, ou porque é privado de uma bicicleta que deseja há muito tempo: essa sobriedade em meio à riqueza é pura ficção, e as ficções são sempre deseducativas. Desse modo ele aprenderá apenas a avareza e o medo do dinheiro. Privando-o de uma bicicleta desejada e que poderíamos presentear-lhe, só faríamos frustrá-lo numa coisa legítima para um garoto, só faríamos tornar sua infância menos feliz em nome de um princípio abstrato, sem justificativa na realidade. E, tacitamente, estaríamos afirmando diante dele que o dinheiro é melhor que uma bicicleta; no entanto, é preciso que ele saiba que uma bicicleta é sempre melhor que o dinheiro.

A verdadeira defesa da riqueza não é o medo da riqueza, de sua fragilidade e das viciosas consequências que pode trazer: a verdadeira defesa da riqueza é a indiferença ao dinheiro. Para ensinar a um jovem essa indiferença, não há outro meio senão lhe dar dinheiro para gastar, quando houver dinheiro: para que aprenda a se afastar dele sem sofrimento ou remorso. Podem me dizer que, assim, um jovem se habituará a ter dinheiro para gastar e já não poderá viver sem ele; se amanhã não for mais rico, como vai ser? Mas é mais fácil não ter dinheiro quando já aprendemos a gastá-lo, quando aprendemos como ele voa depressa de nossas mãos; é mais fácil prescindir do dinheiro quando já o conhecemos bem do que quando lhe tributamos reverência e medo na infância, quando pressentimos sua presença no ar sem que nos tenham permitido erguer os olhos para fixá-lo.

Assim que nossos filhos começam a ir à escola, nós imediatamente lhes prometemos, se estudarem bem, um prêmio em dinheiro. É um erro. Assim misturamos o dinheiro, que é uma coisa sem nobreza, com algo meritório e digno, como o estudo e o prazer do conhecimento. O dinheiro que damos aos nossos filhos deveria ser dado sem motivo; deveria ser dado com indiferença, para que aprendam a recebê-lo com indiferença; e deve ser dado não para que aprendam a amá-lo, mas para que aprendam a não amá-lo, a compreender seu verdadeiro caráter, sua impotência em satisfazer os desejos mais autênticos, que são os do espírito. Elevando o dinheiro à função de prêmio, de ponto de chegada, de objetivo a ser alcançado, nós lhe conferimos um lugar, uma importância, uma nobreza que não deve ter aos olhos dos nossos filhos. Afirmamos implicitamente o princípio – falso – de que o dinheiro é a coroação de um esforço e seu escopo último. Entretanto o dinheiro deveria ser concebido como a retribuição por um esforço; não sua finalidade, mas sua recompensa, isto é, seu legítimo crédito: e é evidente que os esforços escolares dos meninos não podem receber um pagamento. É um erro menor – mas é um erro – oferecer dinheiro aos filhos em troca de pequenos serviços domésticos, de pequenas tarefas. É um erro porque nós não somos empregadores dos nossos filhos; o dinheiro familiar é tanto deles quanto nosso: aqueles pequenos serviços, aquelas pequenas tarefas não deveriam ter nenhuma recompensa, mas ser uma colaboração voluntária na vida familiar. E, em geral, creio que se deva ter muita cautela ao se prometer e aplicar prêmios e punições. Porque a vida raramente terá prêmios e punições: no mais das vezes os sacrifícios não têm nenhum prêmio, e frequentemente as más ações não são punidas, mas, ao contrário, lautamente recompensadas com sucesso e dinheiro. Por isso é melhor que nossos filhos saibam desde a infância que o bem não é recompensado, nem o mal recebe castigo; todavia é preciso amar o bem e odiar o mal – e a isso não é possível dar nenhuma explicação lógica.

Costumamos dar uma importância ao rendimento escolar de nossos filhos que é totalmente infundada. E também isso não é senão respeito pela pequena virtude do sucesso. Deveria bastar-nos que não ficassem muito atrás dos outros, que não fossem reprovados nos exames; mas não nos contentamos com isso; deles queremos o sucesso, queremos que satisfaçam nosso orgulho. Se forem mal na escola, ou se simplesmente não forem tão bem quanto pretendemos, logo erigimos entre eles e nós a barreira do descontentamento permanente; adotamos diante deles o tom de voz rabugento e lamentoso de quem se queixa de uma ofensa. Aí nossos filhos, entediados, se afastam de nós. Ou então os apoiamos em seus protestos contra os professores que não os entenderam, colocando-nos ao lado deles como se fossem vítimas de uma injustiça. E todo dia corrigimos seus deveres de casa, ou melhor, nos sentamos junto deles quando fazem as tarefas, estudando com eles a lição. Na verdade, para um garoto, a escola deveria ser desde o início a primeira batalha a enfrentar sozinho, sem nossa ajuda; desde o início deveria estar claro que aquilo é seu campo de batalha, onde não lhe podemos dar mais que um socorro esporádico e irrisório. E se lá ele sofre injustiças ou é incompreendido, é preciso deixá-lo entender que não há nada de estranho nisso, porque na vida devemos esperar continuamente a incompreensão e o descaso, e ser vítimas de injustiças: a única coisa que importa é não cometermos, nós mesmos, injustiças. Compartilhamos os sucessos ou insucessos de nossos filhos porque gostamos deles, do mesmo modo e na mesma medida com que eles compartilham, no processo de se tornarem adultos, nossos sucessos ou insucessos, nossas alegrias ou preocupações. É falso que eles, diante de nós, tenham a obrigação de serem bons na escola e de dar ao estudo o melhor de si. Seu único dever perante nós, visto que os introduzimos ao estudo, é o de seguir adiante. Se não quiserem dar o melhor de si na escola, mas em outras coisas que os apaixonem – coleção de besouros ou o estudo da língua turca –, é uma escolha deles, e não temos nenhum direito de recriminá-los, de nos mostrarmos feridos no orgulho, frustrados em nosso desejo. Se por ora eles não dão mostras de querer gastar suas capacidades em nada, passando dias na escrivaninha mastigando uma caneta, nem neste caso temos o direito de reprováu-los em demasia: quem sabe o que nos parece ócio seja na realidade fantasia e reflexão que, amanhã, talvez deem seus frutos. Se parecem desperdiçar o melhor de suas energias e de seu talento jogados num sofá, lendo romances estúpidos, ou correndo desenfreados num gramado atrás da bola, ainda assim não podemos saber se realmente se trata de desperdício de energia e de talento ou se até isso, amanhã, de alguma maneira que agora ignoramos, dará seus frutos. Porque infinitas são as possibilidades do espírito. Mas não devemos nos deixar tomar – nós, pais – pelo pânico do insucesso. Nossas repreensões devem ser como rajadas de vento ou um temporal: violentos, mas logo esquecidos; nada que possa obscurecer a natureza de nossas relações com os filhos, turvando-lhes a limpidez e a paz. Estamos aí para consolar nossos filhos, caso um fracasso os faça sofrer; estamos aí para lhes dar coragem, se um insucesso os mortificar. Também estamos aí para fazê-los baixar a crista, caso um sucesso lhes suba à cabeça. Estamos aí para reduzir a escola a seu humilde e estreito limite; nada que possa hipotecar o futuro; uma simples oferta de instrumentos, entre os quais talvez seja possível escolher um de que se orgulhar no futuro.

Na educação, o que deve estar no centro de nossos afetos é que nossos filhos nunca percam o amor à vida. Esse sentimento pode tomar formas diversas, e às vezes um jovem desinteressado, solitário e esquivo não sofre de desamor à vida ou de opressão pelo medo de viver, mas simplesmente está num estado de espera, concentrado em preparar-se para a própria vocação. E o que é a vocação de um ser humano senão a mais alta expressão de seu amor à vida? Então devemos esperar, ao lado dele, que sua vocação desperte e ganhe corpo. Sua atitude pode parecer a da toupeira ou da lagartixa que fica imóvel, fingindo-se de morta: mas na realidade fareja e escruta o rastro do inseto, sobre o qual se lançará num salto. Ao lado dele, mas em silêncio e um pouco à parte, devemos esperar o estalo de seu espírito. Não devemos pretender nada; não devemos pedir ou esperar que seja um gênio, um artista, um herói ou um santo; no entanto devemos estar preparados para tudo; nossa expectativa e paciência devem conter a possibilidade do mais alto e do mais modesto destino.

Uma vocação, a paixão ardente e exclusiva por algo que não tenha nada a ver com o dinheiro, a consciência de ser capaz de fazer uma coisa melhor que os outros, e amar essa coisa acima de tudo, é a única possibilidade de um garoto rico não ser minimamente condicionado pelo dinheiro, de ser livre diante do dinheiro: de não sentir em meio aos demais nem orgulho pela riqueza, nem vergonha por ela. Ele nem se dará conta das roupas que usa, dos costumes que o circundam, e amanhã poderá passar por qualquer privação, porque a única fome e a única sede serão, nele, sua própria paixão, que devorará tudo o que é fútil e provisório, despojando-o de todo hábito ou atitude contraído na infância, reinando sozinha em seu espírito. Uma vocação é a única saúde e riqueza verdadeiras do homem.

Que possibilidades nos são dadas de despertar e estimular em nossos filhos o nascimento e o desenvolvimento de uma vocação? Não dispomos de muitas; entretanto talvez haja algumas. O nascimento e o desenvolvimento de uma vocação demandam espaço: espaço e silêncio – o livre silêncio do espaço. A relação que intercorre entre nós e nossos filhos deve ser uma troca viva de pensamentos e sentimentos, mas também deve compreender largas zonas de silêncio; deve ser uma relação íntima, sem no entanto misturar-se violentamente com a intimidade deles; deve ser um justo equilíbrio entre silêncio e palavras. Devemos ser importantes para os nossos filhos e, contudo, não demasiado importantes; devemos fazer com que gostem de nós, mas não demais: para que não queiram se tornar idênticos a nós, imitar-nos no ofício que fazemos, buscar nossa imagem nos companheiros que escolherão para suas vidas. Com eles devemos manter uma relação de amizade: contudo não devemos ser excessivamente amigos, para que eles não tenham dificuldades em fazer verdadeiros amigos, aos quais possam dizer coisas que silenciam conosco. É preciso que sua busca por amigos, sua vida amorosa, sua vida religiosa, a busca por uma vocação sejam circundadas de silêncio e sombra, que se desenvolvam apartadas de nós. Nesse caso, podem me dizer que nossa intimidade com os filhos se reduziria a pouca coisa. Mas em nossa relação com eles deve estar contido tudo isso em linhas gerais, quer a vida religiosa, quer a vida intelectual, quer a vida afetiva e o julgamento sobre os seres humanos; devemos ser para eles um simples ponto de partida, oferecer-lhes o trampolim de onde darão o salto. E devemos estar ali para qualquer socorro, caso seja necessário; eles devem saber que não nos pertencem, mas nós, sim, pertencemos a eles, sempre disponíveis, presentes no quarto ao lado, prontos a responder como pudermos a qualquer pergunta possível, a qualquer pedido.

E, se nós mesmos tivermos uma vocação, se não a traímos, se continuamos a amá-la no decurso dos anos, a servi-la com paixão, podemos manter longe do coração, no amor que sentimos por nossos filhos, o sentimento de posse. Porém, se não tivermos uma vocação, ou se a tivermos abandonado e traído por cinismo, ou medo de viver, ou um amor paterno mal compreendido, ou por uma pequena virtude que se instala em nós, então nos agarramos aos nossos filhos como um náufrago ao tronco da árvore, pretendemos vigorosamente que nos devolvam tudo o que lhes demos, que sejam absoluta e implacavelmente tais como nós os queremos, que obtenham da vida tudo o que nos faltou; terminamos pedindo a eles tudo o que somente nossa vocação nos pode dar: queremos que sejam em tudo uma obra nossa, como se, por tê-los procriado uma vez, pudéssemos continuar procriando-os pela vida inteira. Queremos que eles sejam nossa obra em tudo, como se fossem não seres humanos, mas obra do espírito. Porém, se tivermos em nós uma vocação, se não a renegamos nem traímos, então podemos deixá-los germinar tranquilamente fora de nós, circundados da sombra e do silêncio que o brotar de uma vocação e de um ser requer. Esta talvez seja a única oportunidade real que temos de ajudá-los em alguma medida na busca de uma vocação: termos nós mesmos uma vocação, conhecê-la, amá-la e servi-la com paixão, porque o amor à vida gera amor à vida.