[N.66| 2023]

Beethoven

Mariela Lamberti

Domingo, pão de queijo, suco de laranja, 28 graus ainda de manhã, programa cultural: assistir à Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Beethoven.

Sair com um bebê sempre significa caos e organização. Mesmo se organizar direitinho, vai ser caótico em alguma medida. Sempre.

Mochila com fraldas, apetrechos de higiene, uma troca de roupa, pode ser que molhe, faça aquele cocô que se espalha pelo meio das costas, vomite, derrube água…

O perrengue começa ainda no carro. Choro, gritos, corpo agitado, bebê suando. Mãe suando ainda mais, tentando responder ao motorista do Uber que não para de falar, mas ela mal pode escutar o que o homem diz, pois o choro está cada vez mais alto e cada vez mais perto do seu ouvido. “Calma, filhinha”, ela tenta. O choro agudo, crescente, as lágrimas. A mãe queria chorar também. Seu cérebro já não processa mais nada, impossível alguém pensar com aquele choro perfurante. A vontade é de gritar também, de chorar, de mandar o mundo ir para a puta que pariu. Mas, enfim, o carro chega. Imediatamente, o bebê se acalma. Sling amarrado ao corpo, bebê encaixado, atento ao passeio.

Retira ingresso, apresenta comprovante de vacinação, será que vai dar tempo? Entra na fila, parece que tem pouca gente, acho que vai dar, entraram.

“Ótimos lugares!”, eles vibraram. No balcão superior, bem de frente ao palco. Que espetáculo! A Sala São Paulo é tão bonita…

O maestro deu uma palavrinha, simpático. Até demais. Animado demais para um domingo tão quente. Palmas! Todos se comportam muito bem, muito chique prestigiar a Orquestra. A mãe está sentada na cadeira da ponta, corpo tenso, pronta para sair, vai que precisa, não quer incomodar ninguém. Ela está otimista – a filha deve gostar de música sofisticada, é chique.

Começa com “A Consagração da Casa”. O som preenche o espaço. Recheia cada cantinho. Junto com a orquestra surge outro som. O choro.

De novo.

A mãe se ajeita na cadeira, segura a cabeça da filha e enfia o peito na boca da cria. Funciona por doze segundos, e a bebê volta a resmungar.

A mãe, sem levantar os olhos, suando, envergonhada, percebe vários pares de olhos na sua direção, fuzilando-a. Que falta de senso, um bebê na orquestra! Incomodando as pessoas chiques!

A mãe se levanta toda encurvada, bebê num braço, mochila no outro, corre para fora, fecha a porta e ufa, respira.

Agora, a bebê já está calma, sem os sons assustadores por perto.

A dupla vai passear pelo lado de fora, ouvindo a orquestra abafada do lado de dentro, enquanto o pai continua lá. Ele se ofereceu para sair no lugar dela. Mas a mãe já tinha sido alvejada pelos olhares, preferiu ela mesma se retirar.

Lá fora, um mundo todo para ser explorado pelos olhos da bebê. Lustres gigantes, quadros, luzes, pisos. Tudo era estímulo.

A mãe se dirigiu ao café, precisava de energia para continuar o domingo. Ali por perto encontrou, veja só, outras crianças chorosas, de idades variadas. Todas se assustaram com Beethoven.