[N.58 | 2023]

Carta em Matrioshka

Camila Parducci

Vó,

Como você está?

Por aqui, as coisas vão crescendo, meus planos tomando forma e me sinto mais ativa de novo. Não que antes estivesse parada, o que acontece agora é que estou tendo mais espaço para mim. Minha bebê começou a andar, está mamando menos, consegue ficar mais tempo com outras pessoas durante o dia. À noite, ainda é aquela história: o pai a faz dormir e, depois, sou a responsável pela manutenção do sono. Toda vez que desperta, vou até ela, dou o peito e isso se repete a noite toda.

O tempo está passando, queria poder estar mais junto da minha mãe, da tia e do Vô. Queria dividir com eles o crescimento da minha filha. O tempo não congela para acompanharmos um bebê crescer. A rotina da vida e o cansaço engolem as possibilidades de visitarmos todo mundo e, como ninguém vem nos ver, fica difícil essa partilha. Costumo enviar vídeos para eles: dos primeiros passos, dos dentinhos, das trocas de fralda. Eles se sentem mais íntimos dela, mesmo estando em outra cidade. As chamadas de vídeo também ajudam, ainda que nada possa substituir os encontros presenciais. Quando acontecem, são rápidos e intensos. Tomara que esses encontros sedimentem dentro dela e que ela crie elos de carinho por todos.

Mesmo distantes, eles estão aqui. Você está realmente longe.

Queria poder dividir tudo isso com você, queria poder ter uma foto sua carregando sua bisneta. Uma imagem em que seu cabelo branco, nariz pontudo e olhos doces coexistissem no mesmo tempo e espaço que os grandes olhos e coxas grossas da minha pequena filha. Você que foi minha primeira casa, quando ainda era um óvulo no ovário da minha mãe.

Você sabia disso, Vó? Que eu também morei dentro de você?

Meu coração se enche da sua presença toda vez que penso nisso, mesmo que apenas uma parte dos meus cromossomos tenham estado aí. Me sinto mais perto, sinto que tive mais tempo com você.

Você sempre foi meu lar, era para você que gostava de voltar. Talvez porque, durante o tempo em que compartilhamos essa vida, moramos sempre juntas.

Você na casa da frente e eu na casa de trás.

Lembro que, quando acordava com pesadelos no meio da noite e não conseguia mais dormir, pedia para a mamãe me levar até você.

Você abria a porta da cozinha e ela me passava para o seu colo.

Lembro dos seus braços finos e abertos para me receber, do seu abraço quente.

Eu dormia na cama ao lado da sua.

Lembro da sua sombra, que se formava com a luz do pequeno abajur que ficava na cabeceira da cama. Ela estampava na parede branca o contorno da sua risada, das nossas risadas, que surgiam das piadas que você fazia para me acalmar.

Lembro da minha sombra de menina, da projeção dos meus cílios e cabelo. Eu era pequena, devia ter no máximo sete anos. Afinal, você se foi quando eu tinha quase nove e, durante o tempo em que ficou doente, não podíamos mais dormir no mesmo quarto.

Lembro do peito quente, por estar em um lugar tranquilo e seguro, que me permitia adormecer em paz. Eram uma alegria esses instantes que compartilhávamos antes de dormir.

Quando minha filha ri comigo, muitas vezes lembro de nós, dos nossos risos na madrugada. Quando isso acontece, parece que você se materializa. Me vejo nela e te vejo em mim. Que bom poder te encontrar em uma gargalhada.

Tenho saudades Vó, todos os dias.