curadora convidada
Fabiana Carneiro da Silva

Estão reunidos nesta curadoria textos de quinze mulheres-mãe-negras, convidadas a publicar no site do projeto ELAS. Parte-se da constatação que a maternidade negra segue sub-representada na discursividade nacional (na literatura e para além dela), ainda que haja relevante produção literária de autoria mulheres negras desde, pelo menos, o século XIX. A proposta é dar a ver a riqueza e pluralidade das transfigurações do “ser mãe” pelas escritoras convidadas. As mulheres aqui presentes apontam também para muitas outras que concebem a maternagem como questão, suspensão e atualização de um percurso ancestral.

  • Filho

    Jeovânia P.

    Tendo filho
    Filho não se deixa de ser
    Só não se é mais o centro
    O centro
    O umbigo
    Passa de lado
    Vai para o filho […]

    ler: Filho
  • Relicário

    Hildália Fernandes

    Antes de tudo, deixe-me apresentar-me. Sou a duquesa Labalábá. O nome herdei da bisa e faz referência e presta reverência à Ọya que rege e protege a minha família desde tempos muito antigos, ainda no continente africano. Dela herdamos, também, a coragem, a ousadia, a independência e o trato com a morte. Somos mulheres-búfalo. […]

    ler: Relicário
  • Da dor e do amor

    Dulci Lima

    Nascemos. Em abril de 2013, minha filha e eu nascemos, ela para o mundo e eu como mãe. Nunca almejei ser mãe, não sonhei ter filhos. Gostava mais das brincadeiras de rua e de professora do que de bonecas. Amava mesmo os livros!
    Minha filha foi um acontecimento inesperado, resultado de um amor não correspondido […]

    ler: Da dor e do amor
  • Canções puerperais

    Daisy Serena

    eu queria escrever uns versos pra matar o tempo, a saudade, a vontade. pra saciar a sede, o desespero, a febre, o silêncio. eu queria escrever umas palavras ainda que soltas, qualquer coisa que me lembrasse que eu ainda tô aqui, aqui, aqui dentro, como eu tô fora, fervendo.
    mas meu filho acordou dez vezes […]

    ler: Canções puerperais
  • A ira da filha de cam
    parece perda de palavra
    que
    mucama
    num é quem ama
    é qual a
    mulata
    bicho que se quer
    domesticado […]

    ler: A ira da filha de cam continua
  • [O relógio…]

    Barbara Uila

    O relógio
    seguindo passos de
    antes –
    sufocou feridas.
    Pedaços da renda da
    toalha de mesa embranquecendo
    o assunto do almoço
    o vai e vem de panelas fumegantes
    pra embalar uma fome ancestral […]

    ler: [O relógio…]
  • Do desfiar ao tecer – Manto materno

    Assunção de Maria Sousa e Silva

    Minha avó Salu tinha um ofício cuidadoso. Quando menina, trabalhava no roçado: roçava, semeava, colhia, quebrava coco… Quando jovem, casou-se, teve cinco filhos e, com a reviravolta do tempo, ficou viúva e voltou à roça para sustentar os filhos, à mesma labuta na agricultura e pecuária […]

    ler: Do desfiar ao tecer – Manto materno
  • Toda a dor do passado
    as sementes germinadas
    no útero de minhas avós
    nutridas com seu sangue
    suas lágrimas e sua força
    eu carrego
    os frutos de sua carne
    galhos
    trilhas tortuosas
    tronco firme também […]

    ler: Eu carrego tudo o que sou pelo meu ventre
  • Ela cresce

    Anajara Tavares

    Foi ontem que aquele cheiro
    Invadia as minhas narinas
    E ela saía das entranhas de mim…
    Coroou-me minha menina. Não tem muito tempo que ela, semente,
    Se encaixava perfeitamente
    Entre meu seio farto e o umbigo,
    E mal pesava na cunha de minhas mãos,
    Seu novo abrigo. […]

    ler: Ela cresce