curadora convidada
Maria Carolina Fenati
Estão reunidos nesta curadoria textos de quinze mulheres, escritos durante a pandemia da Covid e publicados na coleção Caderno de Leituras, das Edições Chão da Feira, em outubro de 2020 e em setembro de 2021. O confinamento, o convívio contínuo com as crianças, a exaustão, a invenção de outras formas de cuidado, a tragédia na esfera pública, a sobrevivência no mundo íntimo – estas e outras figurações da experiência da maternidade durante aqueles tempos estão na escrita dessas mulheres que, quase sempre diante dos seus filhos, viam o que acontecia no seu íntimo e no mundo, sabendo que era preciso narrar e não esquecer, narrar e inventar outras formas de continuar.
  • O jogo dos dias

    Carla Maia

    É preciso começar pela margem. Primeiro, separar as peças, isolando todas que tiverem uma lateral perfeitamente reta, são as que formam a moldura, estabelecendo o limite e o início das conexões restantes. Atenção para as peças com duas laterais retas, essas são as
    de canto, é importante ter atenção aos cantos. […]

    ler: O jogo dos dias
  • Eu e João

    Brisa Marques

    De onde parto? De mim. Dividida em duas partes, no parto. Eu e João, tirado de mim por minha mão. Atrás de mim, minha mãe. Talvez sejam essas as minhas primeiras referências sobre maternidade. Maternidade um tanto fora do padrão. Deficiente? Nunca gostei dessa palavra, mas carrego em mim uma lesão medular. […]

    ler: Eu e João
  • Fresta

    Barbara Lito

    Fecho os olhos. Inspiro fundo, retenho o grito – tenho exercitado firme para não pedir as coisas aos berros. Eu e ele. Um ano e um mês. No início, eu me sentia num desses filmes de cataclismos, em que os personagens têm que se esconder, juntar provisões, acuados em bunkers e sem saber muito bem […]

    ler: Fresta
  • dia 01
    dizem que isso vai durar pelo
    menos três meses. dia 02
    falei com gorete e ela disse que queria continuar vindo trabalhar.
    sobreviveremos.
    ela e eu. […]

    ler: inventário isolado
  • Carta às 4

    Ana Freitas

    Queria falar-vos do declínio do corpo, da garganta ou do pó da pandemia, a cor ocre da argila. Espirros de memórias ventiladas. Falar-vos de quando atravessamos os vidros das janelas como um passatempo. O tempo passou. Lembram-se de quando escutamos os sussurros? As ambulâncias, as luzes desmaiadas nas ruas; dentro de casa, lugares inventados como […]

    ler: Carta às 4
  • Ser mãe: o extraordinário é o mais comum. E não seria exagero dizer que o comum é o mais bonito. É o que sinto. Ainda assim, eu tenho medo da morte. Sempre tive e agora tenho mais. Um medo enorme. Por isso, eu cuido da vida. […]

    ler: No quintal da minha infância