[N.136 | 2025]

Ele cria pássaros, eu, minhocas

Fernanda Goulart

(para Ursula Le Guin)

Ele cria pássaros, eu, minhocas.

Os dele, pequenos ainda, sorvem na mamadeira uma substância pastosa especial para pássaros. As minhas, de mutantes medidas, se embaraçam na terra e desdão seus nós em busca de folhas murchas, cascas de legumes e frutas podres.

Seus pássaros têm topete ousado e cores pastéis, gritam quando sentem fome, se pronunciam cantando, debruçam-se nos ombros humanos como se garantissem devolver-lhes a beleza com que são observados.

Minhas minhocas são pálidas, lânguidas e gosmentas. Se assombram mais do que a qualquer outro, e abrem passagens ardentes e acanhadas, na justeza de quem recusa a pujança apenas para caber atravessar.

Os pássaros de asas cortadas precisam de quem limpe os seus dejetos, para não pisoteá-los na gaiola que, ao final, é seu destino diário. Minhas minhocas sem pernas dormem em camas que são telhados, e fazem de meu desassossego estrume.