Toda a dor do passado
as sementes germinadas
no útero de minhas avós
nutridas com seu sangue
suas lágrimas e sua força
eu carrego
os frutos de sua carne
galhos
trilhas tortuosas
tronco firme também
Raízes
todos que me compõem
me sustentam
eu carrego
a luz luminosa
que preencheu a escuridão
do ventre de minha mãe
por quatro vezes acesa
por quatro pedaços de nós
reconheço
carrego em mim
com amor
toda a potência de vida
dos filhos que nunca gerei
carrego
a força com que pude criar
em meu ventre
a vida que dei à Luz
feita da vida que tomei para mim
eu carrego
sempre
Mas a profunda invasão
— que além de benditas sementes —
nos trouxe
dor e desespero
frieza e desilusão
Isso
não quero mais carregar
Isso
reconheço
honro
me despeço
Não queremos mais levar.
Acontece que carrego tudo o que sou pelo meu ventre
através dele
por sua existência sã
Útero inteiro
Portal inerente à natureza feminina
onde brotou e foi gerada
tudo o que se considere matéria humana
viva
Muito mais que um órgão
possível travessia
segue pulsante de vida
Possamos
por nossa escolha e por amor
cultivar em nossos ventres
a Fé na vida humana
Gerar futuro para todos nós
Acreditar…
Possamos
Talvez
Quem possa…
Por desconhecer ainda
meios para nos libertarmos dessa sina
carrego comigo
dores e cicatrizes
memórias inacessíveis
gritos tantos
não meus
mas de milhares
mulheres que viveram antes e enquanto em mim
milhares de mulheres
que ainda são violentadas
todo dia
todo santo dia
Todo santo dia
olho por elas
e todo mês
a cada lua
choro lágrimas de sangue
pra limpar tudo isso
que carrego em meu ventre.