[N.78 | 2023]

Itemerários amores

Eliane Marta Santos Teixeira Lopes

… então, do casamento que era ainda muito amoroso, nasceu Rodrigo, em 13 de abril de 1975, por volta de sete da manhã. Mas tê-lo em meus braços, meus temerosos abraços, demorou. Era estranho, e familiar. Não tinha mais barriga e um bebê queria sugar meu peito. Não vou falar da criança extraordinária que ele foi, me fazendo passar apertos sociais, pedagógicos e sanitários. Suas crises de asma; seus enjoos no carro, vomitando sobre mim; e no carro, parado à beira de uma estrada perigosa, curioso como sempre: são os grilos?

Quando foi que Rodrigo se tornou adulto? Eu não sei.

[adulto/a é um adjetivo; diz-se de quem é. Dá o que pensar porque não há o substantivo, ainda que haja adolescência e velhice. Em francês e em inglês, também não há.]

Na maneira de se posicionar diante do mundo e de mim, sua mãe, era “comme un grand”, que é como os franceses dizem das crianças que se mantêm crianças, mesmo falando e agindo como adultas. Passou três meses comigo em Paris, voltou bufando e ganhou o apelido de francês no colégio. Um metido. Me perguntavam: o que você acha que o Rodrigo vai ser quando crescer? Acho que ele pode ser um bom jornalista – não errei inteiramente.

Quando foi que Rodrigo se tornou um adulto, definido por qualquer dicionário? Não sei.

Começou a trabalhar cedo, mesmo sem ouvir “não quer estudar? Pois vai trabalhar”. Começou a trabalhar na D’Jay, primeira loja de roupas para todes em BH, porque queria seu próprio dinheiro, mesmo que não fosse muito, e achou divertido, eu suponho. Havia gente de quem ele gostava, curtia, saía com todes para as baladas (e eu nem sabia o que era uma balada – a não ser as de Chopin). No espelho retrospectivo, vejo que nunca deixou de trabalhar: no caderno especial do jornal O Tempo, Engenho & Arte, muito jovem ainda, fazia artigos sobre cinema e outros assuntos. Era um cinéfilo. Estudava francês, sabia inglês (meu deus, onde esse menino aprendeu?) e a burocrática mãe que eu era, temerosa do futuro, chegou a dizer: “aprenda línguas, você pode se tornar um ótimo guia turístico”. Shame on me. Trabalhou: nessa loja que citei; em uma agência de publicidade cujo tempo devorou o nome da minha memória. Ensaiou duas tentativas de bar com seu amigo Daniel. Tinha uma banda e tocava guitarra: O Leitão (lei-tão… a lei estava presente). Eles compunham as músicas e havia uma de que eu gostava muito. Não cheguei a decretar a minha falência, mas havia o que eles não davam conta de pagar, e foi apertado para mim! Depois, nesse mesmo jornal que citei, foi subindo e descendo de posto ou caderno; até o primeiro caderno, ele fechou. Depois foi “expulso” – não era incomum. Certo dia, cheguei em casa à tarde e ele estava sentado no tapete da sala, dizendo que tinha sido mandado embora. “José deixou um recado pra mim. Vou telefonar para ele” – do fixo, claro; ainda estava muito longe o celular. José disse: “vem pra São Paulo, Rodrigo! Tem um lugar aqui, na Folha de São Paulo, para você”. Lá foi ele! Mais uma vez, quase quebrei (mentira, mas era um aperto) e não ouvia os protestos de amigos e amigas que me diziam: “mas você o deixa usar todo seu cartão? Deixa de ser boba! Ele que trabalhe!” Bem, ele já estava trabalhando, por aquele momento e pelo seu futuro. Nada foi dito explicitamente – discutir com o Rodrigo era, e é, sair perdendo: a cabeça e a razão. No mais fundo de mim, tão fundo que nem sei se existia, eu sabia que fazia a coisa certa. Eu era assim, a mãe que ainda sou, a avó, a tia, a professora: eu aposto. E ninguém aposta para perder, mesmo que em algumas situações fique de cabeça baixa. Eu fiquei, várias vezes. De quando em quando, ele voltava, vinha visitar Luísa, sua filha amada que Kátia criava e me deixava partilhar o amor que sentia por ela.

Voltava para SP levando goiabada, queijo, doce de leite, saudade de Luísa e dizia com orgulho que tinha vindo a Minas.

Mas é preciso que eu proclame: a Arte foi o brilho que sempre o acompanhou. Que piscava para ele. Devia ter seis ou sete anos e me disse que, se eu tivesse casado mais cedo, ele, então, já seria grande e poderia tocar a clarineta de Rapsody in blue com seu avô ao piano; passou por vários instrumentos na Fundação de Educação Artística; ouvia Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e Noel Rosa tocados pelo piano do avô; música clássica; bossa nova; e dançava João e Maria abraçado ao meu colo (“a gente não pode obrigar a ser feliz, não é?”: Juro, ele disse); até conviver com artistas amigos de seu pai e ver quadros, muitos, nas paredes de nossas casas. E o Rô cresceu, fez-se um homem bonito (não o acho lindo, depois que deixou de ser bebê), simpático e gentil – sempre que quer. Com um grande amoramigo que tive, disputava jogos de memória de filmes, de música e até times de futebol. Sua memória me é perigosa. Continua sendo fiel a todos os amigos e amigas de infância e de adolescência. Gosta muito de ter amigues, sente falta deles, sempre os quer, os ama, de perto, ou de longe.

De seus amores, os mais e os menos, não falo nada; sabem por quê? Ele nunca falou dos meus!

Quando foi que Rodrigo se tornou adulto?
Eu sei.
Foi quando se tornou pai.

Pela primeira vez.
Depois deu uma outra volta, apostou de novo, e fez em dobro esse métier impossible, que posso traduzir por esse mistério impossível, que é ser pai. Primeiro a Rita, depois o Antônio. E foram fazer a vida longe de tantos ruídos, com uma companheira, parceira, amável (é muito fácil amá-la) e amorosa, a mãe dos mais dois – ela nunca fala com eles em pé, sempre se agacha para ficar da mesma altura. Cecília, a protetora das artes e dos músicos.