A maternidade para a mulher wapichana acontece entre regras e tradições, o que garante um caminho saudável para gestar e criar seus filhos.
Escrevo aqui as memórias que trago desde a infância, de como vi minha mãe wapichana cuidar da sua maternidade, sempre acompanhada pela família. Mesmo com os trabalhos árduos do dia a dia, ela cuidava do seu corpo e da sua gestação. Observava atentamente a higiene, a alimentação e todos os rituais que envolviam o nascimento de cada um dos meus irmãos. Desde pequenos, ela nos transmitia os ensinamentos que aprendeu com nossas avós.
Um desses ensinamentos era o cuidado com a transição da menina para mulher. Quando chegava a primeira menstruação, vivíamos um período de isolamento dentro de casa. Era uma forma de proteção contra espíritos que não podíamos ver, mas que poderiam nos afetar. Essa tradição nos resguardava para o futuro, prevenindo enfermidades, como miomas e outros problemas que atingem os corpos das mulheres indígenas.
A alimentação, desde cedo, era orientada para fortalecer nosso corpo e nos preparar para uma maternidade saudável. Passávamos a utilizar a medicina tradicional do nosso povo, e a semente de coração verde se tornava parte desse cuidado. Desde minha primeira menstruação, faço uso dessa planta como anticoncepcional, seguindo o caminho que minha mãe encontrou para proteger suas filhas. Minhas irmãs também a usaram, até o momento em que decidiram se tornar mães.
Hoje, seguimos outro caminho, dialogando com a sociedade envolvente. Nós, mulheres wapichana de uma nova geração, podemos escolher postergar a maternidade e planejar melhor nossas famílias, para que nossos filhos sejam criados com amor e segurança.
A gestação, para mim, começa antes do corpo: acontece no território da mente. Se o mental está bem, a transição acontece de forma plena. Passamos de “mulheres do vento” a “mulheres raiz”, prontas para curar, acolher e dar colo. Quero me preparar para ser uma mãe que recebe sua criança em um ambiente de afeto, onde ela encontre um lar acolhedor e suas raízes sejam fortes, como os resistentes pés da árvore de caimbé do Lavrado.
Maternidade wapichana
A mulher wapichana,
entre regras e tradições,
prepara seu corpo e seu ventre,
com os saberes das gerações.
Desde menina eu via
minha mãe em seu cuidar,
limpando o corpo, honrando a vida,
ensinando sem cessar.
Na passagem de menina a mulher,
o silêncio era proteção,
isoladas, resguardadas,
dos espíritos sem visão.
O alimento nos fortalece,
a raiz nos faz crescer,
para um dia sermos mães,
com saúde para viver.
A semente de coração verde,
sabedoria ancestral,
nos guia, nos guarda,
num ciclo natural.
Hoje escolhemos o tempo,
ouvimos o coração,
plantamos nossos curumins
com amor e decisão.
A gestação nasce na mente,
antes mesmo do corpo sentir,
sou mulher do vento que aprende,
sou raiz pronta para florir.
Que meu colo seja abrigo,
meus braços, o calor,
e que a criança que venha
encontre um mundo de amor.
Como o caimbé do Lavrado,
firme na terra a crescer,
nossos filhos terão raízes,
e nunca irão se perder.
Kaimem.