[N.8 | 2023]

O grito

Carolina Heller

Subitamente, ele veio. Desmedido, violento, indomável. Eu queria que parasse, diminuísse, acalmasse, mas ele queria se soltar, se manifestar, enfim, livremente. Os filhos e seus pequenos e redondos olhos apavorados sinalizavam sua desproporcionalidade.

De onde veio? Como nasceu e, ainda, como cresceu tanto?

Sua origem talvez estivesse na frustração do trabalho feito às pressas e fragmentadamente, sem a desejada dedicação. Nas noites interrompidas e não suficientemente regeneradoras. Cresceu enquanto o corpo que queria estar lá fora, realizando seus próprios desejos, estava na cozinha ou na lavanderia. Desenvolveu-se enquanto eu tentava organizar a casa, no anseio de que minha morada interna ficasse ao menos um pouco em ordem. Talvez também tenha crescido na reivindicação calada, a fim de respeitar o outro, sem me preocupar com o autorrespeito. Ou quiçá na canção que tenta ninar quando todo o corpo só queria seu próprio silêncio e repouso. 

Excessivo, impiedoso, o grito definitivamente não era a solução, tampouco o caminho mais justo. No entanto, foi o túnel que a palavra suspensa atravessou.