[N.1 | 2023]

O lance dos filhos é que eles não vão embora

Patrícia Azevedo da Silva

Achava que conseguiria escrever à noite, mas o cansaço e os discursos de vitória da dupla Biden/Kamala tomaram conta do meu tempo. Depois achei que conseguiria escrever mesmo de manhã cedo, mas aí os meninos tomaram conta de tudo e, para falar a verdade, foi difícil para mim recordar assim um momento game-changing da maternidade. Eu sei que é meio idiota, mas não consigo deixar de pensar que realmente eu aprendo pra caralho com estes meninos.

Lembro-me da sensação, também marcada por momentos, claro, mais uma overall sensation do medo que me dá do Artur ser tão compreensivo de mim. Tão generoso. Eu não estava acostumada a um amor tão grande, a essa generosidade toda. O lance dos filhos é que eles não vão embora. E isso assusta-me. Não que eu queira que eles vão embora: if anything, eu tenho que fazer um puta esforço para não ficar com eles sempre, ao alcance de um braço, para não ser aquela Mother Monster que não dá espaço pra mais nada nem ninguém. 

Ainda agora, com essa pandemia: todos os dias os meninos vão para a escola e tantas vezes eu só penso como seria bom fugir para Tavira ou para o Soajo, onde fomos tão felizes na nossa bolha durante o verão, e tirar um tempo, fazer esse intervalo. [Falo muito dessa pandemia, dei-me conta, acho que ela, com essa dissonância cognitiva e os seus recolheres obrigatórios nos horários mais absurdos, está a mexer comigo de uma forma que ainda agora eu me pego surpresa].

Como eu escrevia: meus filhos ao alcance do meu braço, e é preciso – foi preciso – treinar para contrariar isso. Mas do que eu estou a falar é outra coisa. 

Às vezes, quando eu estou a tentar falar com amigos, naqueles dez minutos em que consigo falar no telefone com alguém e o Artur não para de me interromper, em uma dessas vezes, eu gritei: porra, da próxima vez que estiveres com o Mateus, eu vou fazer igual, eu vou interromper a tua brincadeira com o Mateus para brincar junto e, de volta, a cara mais feliz, ok! Eu acho que não entendeste, e ele, nãoeu acho que tu não entendesteeu vou ficar felizEu vou ficar feliz se quiseres brincar comigo e com o Mateus.

Há pouco tempo teve a hipótese do Joaquim ir mais cedo para o pré-escolar. Daí o Artur falou que seria tão bom se os dois frequentassem a mesma turma. Eu falei, nem pensar! E o Artur ficou surpreso: eu ia adorar se ele ficasse na minha sala. E eu falei, ah, mas aí estariam sempre juntos, na sala, na escola, em casa, partilhariam todos os espaços e todos os amigos, ia ser muito! E ele continuava ali, a olhar para mim como se não entendesse, como assim? Não existe isso de ficar muito tempo com uma pessoa que a gente ama. 

Quando eles regressaram à escola, o Artur falou outra coisa parecida. Eles não queriam ir, eu falei que seria ótimo voltar a ver os amigos, as professoras, e que era aborrecido ficar todo o dia em casa comigo, só comigo. E ele, rápido, mas tu és ótima, qual é o problema de passar todo o dia contigo?

E eu sinto que talvez a minha mãe tenha razão e talvez eu seja realmente má por não conseguir ser tão amorosa e tão generosa como deveria ser. Ou então o contrário, que talvez eu não seja nada má, porque se eu fosse realmente má, será que Deus, o universo, a energia poriam no meu caminho seres tão sensíveis e bons, genuinamente, naturalmente bons?