[N.98 | 2023]

O papel de parede amarelo [fragmento]

Charlotte Perkins Gilma

Faz duas semanas que estamos aqui e não tive vontade de escrever desde aquele primeiro dia.

Agora estou sentada junto à janela, neste atroz quarto infantil, e não há nada que me impeça de escrever o quanto queira, exceto a ausência de forças.

John fica fora o dia todo, às vezes também à noite, quando os casos são mais graves.

Fico contente que meu caso não seja grave!

Mas esses problemas dos nervos são terrivelmente deprimentes.

John não faz ideia do quanto realmente sofro. Ele sabe que não há razão para eu estar sofrendo, e isto o satisfaz.

Claro que é apenas uma questão de nervos. Fico tão triste de não poder cumprir meus deveres!

Queria tanto ajudar John, ser para ele uma fonte de apoio e conforto, e, no entanto, eis-me aqui, convertida num fardo!

Ninguém acreditaria no quanto me custa fazer o pouco de que sou capaz: vestir-me, receber visitas e encomendar coisas.

É uma sorte que Mary seja tão boa com o bebê. Um bebê tão querido!

E, no entanto, não posso estar com ele, fico tão nervosa.

Imagino que John nunca tenha ficado nervoso na vida. Ele ri tanto de mim por causa desse papel de parede!

A princípio pensou em trocá-lo, mas em seguida afirmou que eu estava me deixando incomodar demais por ele, e que não havia nada pior para um doente dos nervos do que entregar-se a tais fantasias.

Ele disse que depois de trocar o papel de parede o problema passaria a ser a pesada armação da cama, depois as janelas gradeadas, depois o portão no topo da escada, e assim por diante.

“Você sabe que este lugar está lhe fazendo bem”, disse. “E, francamente, querida, não vale a pena reformar uma casa que alugamos por apenas três meses.”

“Então vamos lá para baixo”, pedi. “Há cômodos tão bonitos.”

Daí ele me tomou nos braços e me chamou de tolinha, e disse que se fosse meu desejo poderia descer até o porão e caiar as paredes.

Mas ele tem razão sobre as camas e as janelas e as outras coisas.

O quarto é tão arejado e confortável quanto se poderia desejar, e, naturalmente, eu não seria tola a ponto de me indispor com John apenas por um capricho.

Na verdade, estou começando a me afeiçoar a este quarto, exceto pelo medonho papel de parede.

De uma das janelas posso ver o jardim, os misteriosos caramanchões repletos de sombra, as flores exuberantes e de outra época, os arbustos e árvores retorcidas.

De outra janela tenho uma adorável vista da baía e do pequeno cais particular da propriedade. Uma bela alameda sombreada leva da casa até lá. Fico sempre imaginando pessoas a caminhar por todos esses caramanchões e alamedas, mas John me advertiu a não me entregar a tais devaneios. Ele disse que, com o poder de imaginação que tenho e meu hábito de inventar histórias, uma debilidade dos nervos como a minha só pode resultar em fantasias exaltadas, e que devo usar minha força de vontade e meu bom senso para controlar essa propensão. É o que tento fazer.

Às vezes tenho a impressão de que, se ao menos me sentisse bem o suficiente para escrever um pouco, isso aliviaria minha confusão de ideias e me traria algum descanso.

Mas, sempre que tento, acabo ficando bastante cansada.

É tão desanimador não ter ninguém para me dar conselhos ou acompanhar meu trabalho. Quando eu estiver melhor, John diz que vamos convidar o primo Henry e Julia para uma longa visita; mas diz também que preferiria pôr fogos de artifício sob meu travesseiro a permitir que eu desfrute de companhias tão estimulantes neste momento.

Como seria bom se eu me recuperasse mais depressa.

Mas não devo pensar nisso. Esse papel de parede olha para mim como se soubesse da terrível influência que exerce!

Há nele um ponto recorrente em que o padrão se dobra como um pescoço partido e dois olhos bulbosos olham para você em completa confusão.

Fico muito zangada com sua impertinência e tenacidade. Esses olhos absurdos, que olham para mim sem pestanejar, avançam por toda parte, para cima, para baixo e para os lados. Há um ponto no qual duas folhas não se encaixam bem, e os olhos percorrem toda a linha, de cima a baixo, um
ligeiramente mais alto do que o outro.

Nunca vi tanta expressão em uma coisa inanimada, e todos sabemos quanta expressão essas coisas têm! Quando criança, eu costumava ficar deitada acordada, e encontrava mais diversão e terror em paredes vazias e móveis simples do que a maioria das crianças encontraria em uma loja de brinquedos.

Lembro-me de como era simpática a piscadela dos puxadores de nossa grande e velha cômoda, e havia ainda uma cadeira que a mim sempre pareceu um amigo zeloso.

Quando todas as outras coisas pareciam ameaçadoras demais, eu sentia que era sempre possível saltar naquela cadeira e me pôr a salvo.

A mobília nesse quarto, porém, carece de harmonia, pois tivemos de trazê-la do andar de baixo. Acho que tiveram de tirar todas as coisas do quarto quando ele funcionava como sala de brinquedos, e isso não me espanta! Nunca vi tanta destruição quanto a que as crianças provocaram aqui.

O papel de parede, como já disse, foi arrancado em vários pontos, mesmo a cola sendo forte — além de ódio, elas devem ter tido muita perseverança.

O piso, por sua vez, está cheio de riscos, sulcos e farpas, o próprio reboco foi arrancado aqui e ali, e a cama enorme e pesada, que foi tudo que encontramos no quarto, parece uma sobrevivente de guerra.

Mas não me importo com nada disso — apenas com o papel.

Lá vem a irmã de John. Ela é tão querida, tão atenciosa comigo. Não posso permitir que me veja escrevendo.

Ela é uma dona de casa primorosa e entusiasmada e não aspira a uma ocupação melhor. Não tenho dúvidas de que ela pensa que foi a escrita que me deixou doente!

Mas posso escrever quando ela está fora e vê-la a uma grande distância dessas janelas.

Uma delas dá para a estrada, uma estrada sinuosa, agradável e cheia de sombra, e outra tem vista para o campo. Um campo também agradável, repleto de olmos e prados aveludados.

Esse papel de parede tem uma espécie de subpadrão em um tom diferente e particularmente irritante, pois só é possível vê-lo sob determinada luz, e mesmo assim sem muita clareza.

Nos pontos em que não está desbotado e onde a luz é adequada, porém, posso ver uma espécie de figura disforme, estranha e provocadora, que parece esgueirar-se por trás do desenho tolo e chamativo em primeiro plano.

Lá vem a irmã de John pela escada!

*

Bem, o Quatro de Julho chegou ao fim! As pessoas foram embora, e estou exausta. John pensou que um pouco de companhia poderia me fazer bem, então mamãe, Nellie e as crianças vieram passar uma semana conosco.

É claro que não precisei fazer nada. Jennie agora cuida de tudo.

Mas ainda assim fiquei exausta.

John diz que se eu não me recuperar depressa vai me mandar para Weir Mitchell no outono.

Mas não tenho nenhuma intenção de fazer isso. Uma amiga que passou pelas mãos dele diz que ele é igual a John e a meu irmão, só que pior!

Além do mais, seria um grande incômodo ir para tão longe.

Tenho a impressão de que não vale a pena esforçar-me por nada, e estou ficando terrivelmente impaciente e lamuriosa.

Choro por qualquer coisa, e a maior parte do tempo.

Naturalmente, não faço isso quando John ou qualquer outra pessoa está por perto, apenas quando estou sozinha.

E agora passo muito tempo sozinha. Com frequência John fica retido na cidade por conta de pacientes mais graves, e Jennie é boa para mim e permite que eu fique sozinha quando quero.

Assim, passeio um pouco pelo jardim ou por aquela agradável alameda, sento-me à varanda sob as roseiras e fico deitada aqui em cima durante boa parte do tempo.

Estou começando a me afeiçoar ao quarto, apesar do papel de parede. Talvez por causa dele.

Ele ocupa a minha mente!

*

Fico aqui deitada nesta imensa cama que não se mexe — acho que está pregada — e passo horas seguindo o padrão. Garanto que é tão bom quanto fazer exercícios. Começo, digamos, pela parte de baixo, naquele canto intocado logo ali, e decido pela milésima vez que seguirei o desenho sem sentido até chegar a alguma espécie de conclusão.

Tenho um certo conhecimento dos fundamentos do desenho e sei que este padrão não foi concebido segundo as leis de encaixe, ou de alternância, ou de repetição ou de simetria, ou de qualquer outra coisa de que tenha ouvido falar.

Ele se repete, é claro, ao longo da largura, mas de nenhuma outra maneira.

A depender de como se olha para elas, cada folha parece independente, as curvas e os floreios — uma espécie de “românico degradado” com delirium tremens — subindo e descendo em isoladas colunas de fatuidade.

Por outro lado, porém, elas se conectam na diagonal, e os contornos dispersos alastram-se em grandes ondas de horror ótico, como uma profusão de algas marinhas flutuando em plena fuga.

O mesmo acontece na horizontal, ou assim parece, e fico exausta conforme tento distinguir a ordem do movimento nessa direção.

Uma folha foi usada na horizontal, à guisa de friso, o que só faz aumentar a confusão.

Há um canto onde o papel permanece quase intacto, e ali, quando esmorecem as luzes que se cruzam durante o dia e o sol baixo incide diretamente, posso no fim das contas quase imaginar a radiação — os desenhos grotescos e intermináveis parecem formar-se em torno de um centro comum e precipitar-se em mergulhos de cabeça igualmente perturbados.

Segui-los me deixa cansada. Acho que vou tirar um cochilo.

*

Não sei por que escrevo isto.

Não é algo que eu queira fazer.
Não me sinto capaz.
E sei que John acharia um absurdo. Mas tenho que expressar de alguma forma o que sinto e penso — é um alívio tão grande!

O esforço, contudo, está se tornando maior do que o alívio.