Escrevi esses poemas entre 2018 e 2020, durante a gestação da minha filha, que surgiu concomitante à gestação da minha tese de mestrado, coincidentemente intitulada “fusões fecundas”. Ao relê-los, lembro-me da experiência de me sentir muito incapaz intelectualmente, como se o corpo não pudesse abarcar uma mãe pesquisadora. Os últimos poemas do Pequenas erupções datam também da experiência da pandemia, que se cruzou com a experiência da maternidade. Gestações e confinamentos se encontram nesse lugar de fronteiras borradas, onde pequenas erupções brotam a todo tempo no corpo e na língua.
Mãe pesquisadora
pesquiso tantos símbolos
as pirâmides ou a lógica do corpo na poesia
pesquiso os cervos
os planetas
o que pode significar
a estrela cadente na poesia amorosa
pesquiso a desestabilização da noção de poema
o percurso o acaso o poeta que caminha
pesquiso o colecionador de inquietações
pesquiso
escrevo
analiso
e não chego em lugar algum
poesia e vida como uma coisa só
se são elas uma coisa só
eu carrego aqui a maior vida que alguém poderia carregar
se pesquiso os símbolos das pirâmides
os símbolos da maternidade
eu sou a mãe que cria
eu me importo mais com o que produzo
o que é um capítulo perto da formação de um coração?
como classificar esse poema se tento contar os movimentos
diários da pequena?
como dizer às amigas que as minhas ambições mudaram
o meu nome não é mais meu
eu sou a casa de outra pessoa
o que me importa mesmo
é a minha função primária
de agora
fazer um ser humano é maior do que qualquer poesia
salve salve cesariny até a próxima agora não
Mãe gaivota
jorge nunca mais perguntou se estava tudo bem
talvez tenha morrido
não há coragem para investigar
enquanto isso
os jovens seguem demasiado cansados para liberarem seus
assentos na guerra das prioridades que é o transporte público
em portugal
as gaivotas perturbadas pelo verão
[creio que não dormem nessa estação]
três delas crescem no telhado ao lado de casa
e hoje sua mãe alimentou-as com um peixe fresco que foi buscar
ao mar
o maior pedaço ficou pra mãe
achei justo
quanto a nós
seguimos chorando por motivos diversos
diariamente sonho com partos complicados
já minha mãe sonha que está perdida
enquanto ela se apercebe que será avó eu me apercebo que serei
mãe
e seguimos chorando quando a outra chora
escrevo poemas enquanto
ando a pé
atravesso os caminhos que passava antes povoados pela leveza
hoje sigo como uma pata atrapalhada
nas emergências
achei
já era hora
mas aparentemente
não há motivos para se preocupar
quando o bebê se mexe muito
não há motivos para temer o movimento
o repouso
esse sim
é perigoso
[há esse provérbio]
[há esse provérbio]
há esse provérbio
cidade que faz muito vento
a raiz do povo é forte
difícil de arrancar
uma mãe surge numa névoa
muito branca ao longe
sei que é uma mãe porque
está com um bebê a tiracolo
ela vai e volta do mar com um balde cheio de água
às vezes deixa a criança engatinhar
não há perigo quando se cai com a cabeça na areia
ela amortece a queda
a educação se dá pela pedra
lembrei que nomeava as pedras quando era criança
precisei tirar fotos das pedras do rio “pedras negras”
pra não esquecê-las
quase como se eu fosse uma indígena que tivesse me reencontrado
com os meus ancestrais, mas tivesse esquecido seus nomes
então, fotografei cada pedra e dei-lhes um nome
a memória pela pedra
agora estou aqui
sentada em uma pedra
num dia de nevoeiro horizontal
observando a água que evapora e faz tudo parecer vulcânico
pensando que eu deveria estar com a minha filha na praia
como essa outra mãe está
é difícil ser sozinha hoje
mesmo cercada por pedras