teu filho gritando
feliz
teu filho
de boca aberta
é a primeira vez que ele vê
o mar
teu filho caindo da cama
num descuido teu
e você
de religião transmitida
como herança genética
repetindo baixinho
Maria passa na frente
teu filho comendo o feijão
com gosto
teu filho comendo a banana
com nojo
você com medo
de ele engasgar
e morrer
você debaixo do chuveiro
a água morna lavando o sal do rosto
você apertando os peitos
mas não há leite
você na cama
as tetas de fora
tua mãe entrando
com um prato de sopa
você não consegue olhar nos olhos dela
você na sala de recuperação
pensando que tinha descoberto a solidão ali
na iluminação daquele hospital público
na segunda onda da pandemia do coronavírus
o primeiro choro te faz pensar
que precisa
a qualquer custo
proteger aquela criança sem rosto
o médico diz
nove e quarenta e seis
você na maca
de pescoço tenso
como num açougue
no inverno rigoroso do sul do país
você nunca viu a placenta
mas conheceu o amor
e ele dói