[N. 25 | 2023]

Poema para sonhar amanhã

Luana Antunes

A casa dorme, meu filho dorme. Sonha o meu filho? Alinho as palavras tortas na esperança de ver nascer um milagre para mulheres-meninas, mulheres-anciãs, mulheres-passarinhas. Cá dentro, inauguro um tempo infindo, de memória, benção para curar os olhos da guerra,
Mamãe, Kiev também é aqui?
Alento para os dias despedaçados. E, então, te sinto, peixinho-voador, a nadar dentro de mim.
Eu comia lichia – essa fruta misteriosa – quando você nadou e encontrou minhas veias, sulcou a minha raiz. Fincou pé no profundo e lá criou o mundo para onde eu volto quando o cansaço aperta o laço da vida e o suspiro quase não vem.
Mamãe, se você olhar bem de pertinho, vai ver que a gente tem um redemoinho na ponta dos dedos… E cada pessoa tem um.
Um redemoinho que é só dela.
Desse lugar inaugurado por ti, ventam todos os meus tempos, em cíclicas ondulações, em físicas paisagens, em sonoras tempestades e chuvinhas de verão.
Quando nasce uma mãe-solo,
o voo é chão,
é rasteiro, por vezes,
espinho, por vezes,
solidão.
É da terra que nasce a mãe-solo, da seca, do sertão.
É da areia que nasce a mãe-solo, do pó, do grão.
É da rocha que nasce a mãe-solo, da montanha, do vulcão.
É do abismo que nasce a mãe-solo, do profundo do planeta-mãe.

A casa dorme, meu filho dorme.
Sonha, meu filho.