Alguns amores parecem droga pesada. Você não abandona, mesmo quando passa a ser destrutivo. Você tem certeza de que, sendo leal, corajosa e obstinada, as coisas voltarão a ser como no início. Quando eram extraordinárias. Seu lado racional sabe que tudo acabou, mas suas entranhas é que comandam, elas dizem que você deve persistir nesse amor. No meu caso, eram sempre caras como eu. Que queriam preencher um vazio, um abismo, que acreditavam naquilo de corpo e alma.
Se um cara, depois de três semanas, me fala “desculpa, mas não posso te encontrar, estou com muito trabalho” — não existe nenhuma chance de que um dia nossa relação seja tóxica. Só é tóxica quando duas pessoas desnorteadas se encontram. Estou falando porque sei muito bem como é. Tem tantos jeitos de ficar com um cara que acaba com você, histórias não faltam. No meu caso, o problema é o desejo de intensidade. Os caras que melhor me comem são sempre os que mais me machucam. Sou atraída pelo perigo. Se eu não me sinto de alguma forma ameaçada, logo me entedio e começo a sair com outro. Dentro dessa dinâmica, tem uma hora que a máquina de lapidar diamantes se quebra com a brutalidade. Tudo o que sobra é feio. E você se sente incapaz de ir embora pois não quer admitir que se enganou. Mais uma vez. Se você sair dessa história, vai reconhecer as coisas como elas são. Uma sucessão de cenas patéticas com um babaca que ameaça te jogar pela janela cada vez que você fala com outra pessoa.
É uma questão de educação. Quando eu era pequena, ouvi tantas vezes que morrer por amor era a coisa mais bonita do mundo! Não havia destino mais trágico para uma mulher. Exceto ser uma mãe muito sofredora. Na maternidade, a única coisa reverenciada é a infelicidade. Nunca o florescimento. E, no amor, a morte trágica. Se você gosta de sexo com homem, precisa estar pronta para morrer.
Suportamos bem a ideia de que as mulheres sejam mortas pelos homens, simplesmente por serem mulheres. A menos que elas sejam garotinhas ou senhoras idosas. Ou seja, suportamos bem a ideia de que uma mulher seja vítima de um homem desde que esteja na idade de ter uma sexualidade ativa. Mesmo se ela for casada, mesmo se ela for mãe, mesmo se ela for freira — desde a puberdade até os setenta e cinco anos —, ela é uma vítima aceitável. E acho que isso se deve ao fato de ela ter potencial sexual. A sociedade consegue compreender o assassino. É claro, ela também o condena. Mas, antes de tudo, ela o compreende. É algo mais forte do que ele. Não importa que seja sua esposa ou uma desconhecida.
Imagine que em vez de mulheres mortas pelos homens, fossem empregados sendo mortos por seus patrões. A opinião pública seria mais rígida. A cada dois dias, a notícia de um patrão que matou seu funcionário. Diríamos que isso é inaceitável. Que deveríamos poder ir trabalhar sem o risco de sermos estrangulados, espancados ou baleados. Se a cada dois dias um funcionário matasse um patrão, seria um escândalo nacional. Imagine as manchetes: o patrão havia registrado três queixas e conseguido uma ordem de restrição, mas o empregado o esperou na frente de casa e o matou à queima-roupa. É só fazendo essa transposição que você entende a que ponto o feminicídio é bem tolerado. Os homens podem te matar. Isso faz parte do nosso imaginário. Todo mundo sabe disso. É como se te pedissem para brincar de roleta russa. Minha intenção nunca foi morrer, mas eu gostava de drogas pesadas, de homens violentos e de intensidade. Me repreenderam muito mais pelas drogas pesadas do que pelos homens.