Foi num 7 de novembro fresco e chuvoso que descobri que estava grávida. A menstruação estava atrasada uns seis dias, algo que não era incomum. Estranhei, no entanto, o gosto ruim que se instalara no fundo da minha garganta nos últimos dias. Não era um enjoo, não sentia ânsia de vômito nem náuseas. Era um sabor amargo que parecia brotar da base da língua e se alastrar pela boca. Salivava e sentia vontade de comer. Colocar substâncias de sabores variados na boca aliviava momentaneamente a sensação do gosto acre. Comia morangos – que nunca gostei muito –, enchia a boca de mexericas e mastigava o bagaço até que mais nenhum suco pudesse ser espremido e depois cuspia tudo na pia da cozinha, aliviada. Minutos depois, porém, lá estava ele de novo, o gosto podre. Com o tempo, comecei a sentir seu cheiro no quarto, quando saía do banheiro, pelo corredor. Como aquilo era possível? O que estaria acontecendo com meu corpo? Comecei a jogar spray para hálito na boca e perfume de ambiente pela casa. Pedia ao meu companheiro que cheirasse meu corpo e me dissesse se percebia algo estranho, um odor diferente. Ele sorria e dizia não, que aquelas sensações deviam ser algo normal na gravidez.
O gosto e o cheiro me acompanharam por algumas semanas e me habituei a eles. Andava com um saco de balas na bolsa e outro no porta-luvas do carro, e estava sempre mastigando alguma coisa. Um dia, acordei e percebi que ele não estava mais lá. Friccionei a língua nos dentes, passando pelos alvéolos e céu da boca, engoli a saliva seca. Estava liberta! Corri até o banheiro e encarei-me no espelho. Meus cabelos escuros estavam cheios e sedosos, os seios já estufavam a blusa, a pele brilhava. Sorria e me achava bonita, quando, de repente, um bolo formou-se em meu estômago, avançou pelo esôfago, chegou à garganta e irrompeu pela boca, espalhando o vômito pelo espelho e pela pia do banheiro. No dia seguinte e nos próximos, passei a vomitar tudo o que comia. Ao fim de mais algumas semanas, já tinha emagrecido o quilo que ganhara comendo balas. Era com um misto de alegria e tristeza que eu acariciava o ventre que começava a despontar: “será que alguma coisa dentro da gente precisa morrer para que algo novo nasça?”.
O período dos vômitos, embora mais dramático, durou pouco. Logo senti meu corpo restabelecido, adaptava-se ao ser estranho que crescia dentro dele. Ajustava-se, estendia-se, alargava-se. O corpo se tornava maior e mais pesado, mas não se limitava a nada, pelo contrário, exalava potência, tinha pressa e desejo, e buscava prazer. Os sentidos se acentuaram, o paladar tornava a comida mais insossa um banquete refinado, os odores eram todos percebidos de maneira mais intensa, a pele parecia uma esponja e reagia a tudo ao seu redor, especialmente às mudanças de temperatura e ao toque. Esse processo foi naturalmente acompanhado por um aumento desmesurado da libido. Depois de anos tomando pílula, finalmente me vi livre daqueles hormônios e me deparei com um corpo sensível como jamais havia experimentado.
As primeiras reações ocorreram durante o sono. Tinha sonhos eróticos intensos tão reais que acordava encharcada e com a sensação de ter chegado ao orgasmo várias vezes durante a noite. Meu corpo tremia. Tomava um banho, mas logo sentia novamente meu sexo molhado e assim passava o dia inteiro. Buscava meu parceiro em todos os momentos possíveis, guiada por uma necessidade urgente de preenchimento, de sentir o corpo dele sobre o meu, de deleitar-me no seu calor, no cheiro, na rigidez de seu membro quente dentro de mim decompondo-me em pedaços cada vez menores. Com o tempo e o crescimento da barriga percebi, desconcertada, que aquele ritual se tornara penoso demais para meu companheiro. Eu precisava chegar até o esgotamento total de minhas forças – e das dele – e entendi que ele não podia mais estar disponível para isso. Decidi, então, concentrar-me em satisfazer-me sozinha e tomava longos banhos quentes. Me sentava no piso do box do banheiro e tocava meu corpo com as pontas dos dedos, dos pés até o pescoço e a nuca, passando pela panturrilha, as coxas, a cintura e o ventre, que se contorcia aos movimentos do feto. Cantava para que se acalmasse e voltava a tocar os mamilos e a boca, contraía o períneo e apertava as pernas em ritmos regulares, ofegava e gemia, enquanto a água quente caía e o vapor subia embaçando o vidro do box e o espelho do banheiro.
Depois do banho, me postava diante do espelho e observava meu corpo. Já passava das 24 semanas e a barriga já se impunha, a pele se esticava lentamente e eu espalhava quilos de creme ali, para evitar a formação das estrias. Os seios se transformaram completamente. A auréola tornara-se mais escura, os mamilos triplicaram de tamanho e sua pele se tornara mais áspera. As mamas pendiam como grandes peras maduras e se assemelhavam às tetas de cadelas errantes recém-paridas que vagavam pelas ruas.
Quando saía de casa, nos trajetos para a faculdade, para dar aulas ou ir ao supermercado, olhava para os homens ao meu redor e imaginava que nenhum deles me desejaria naquele estado. Eu, no entanto, desejava todos. Queria aqueles que cruzavam meu caminho, observava seus cabelos, os músculos dos braços, as coxas, as formas do abdômen e do quadril sob suas roupas, as veias das mãos – e isso me excitava. Inventava suas histórias, atribuía-lhes nomes e fantasiava que eles reparavam em mim, viam meu corpo e se sentiam atraídos pela mulher que eu me tornava. À medida que via meu corpo inflar como um balão, ansiava pelo toque de mãos quentes e pesadas que me segurassem, que me comprimissem lentamente até quase sufocar, que finalmente rompessem aquele invólucro que me envolvia e me encontrassem no meio de toda aquela água, de toda aquela pele, de toda aquela carne, e me arrebatassem.
Com doze, treze anos, meu corpo também sofreu grandes transformações, e eu, encantada, olhava as pernas roliças, os mamilos salientes e queria exibi-los. Colocava um short curto, uma camisa comprida sem sutiã e perguntava à mamãe se precisava de alguma coisa da venda. Queria que notassem que eu já não era uma menina, virava moça, em breve mulher. Eu ainda não tinha ideia dos riscos que corria ao colocar meu corpo na rua, um corpo erótico, mas que, naquele momento, ainda não perdera a inocência da infância. Enquanto caminhava no curto trajeto até a mercearia, meu corpo de menina-mulher era dilacerado pelos olhares e comentários obscenos dos homens. Meu corpo exalava aquilo que brotava naturalmente dele e eu só queria passeá-lo pelas calçadas, passar pela padaria, trocar olhares e sorrisos tímidos com o menino filho do padeiro, comprar o açúcar que havia acabado e voltar para casa. Chegava em casa com o sentimento dúbio de excitação e vergonha. Percebia o impacto que meu corpo provocava e o poder que aquilo me conferia, ao mesmo tempo que me tornava vulnerável ao perigo, à maior de todas as tragédias para uma menina e relembrava as histórias que mamãe contava sobre o homem do saco, os tarados do bairro, os ladrões de criança. Embrenhava-me numa selva onde tornar-se mulher era um ultraje, expor-se como uma presa que não podia ser predada, uma infâmia.
O meu corpo agora gestante se impunha também como uma afronta, se destacava na paisagem, grande, as curvas acentuadas, os quadris largos, envolto, porém, numa aura sacralizada que fazia com que nem os homens, nem as mulheres e nem eu mesma soubesse exatamente o que era permitido fazer com ele. Fui entendendo, aos poucos, que minha existência e meu corpo, em toda e qualquer fase da vida, perturbavam constantemente as estruturas que, no passado e ainda hoje, nos contam o que é ser mulher.
Minha filha nasceu por cesariana e não tive a vivência do parto natural, sobre o qual tanto havia pesquisado, lido e assistido a todo tipo de vídeos e filmes. Não era para mim: ao fim de 42 duas semanas sem sinais de início do trabalho de parto, procurei um hospital que me encaminhou para a cirurgia. Na sala, era tudo muito claro e estéril, os corpos cobertos com pano verde e máscaras. Mas, mesmo anestesiada, minha mente e corpo estavam ali em toda sua potência. Sentia meus mamilos latejarem e arderem. Minha respiração acelerava, as lágrimas escorriam. Quando retiraram minha filha de mim, senti um alívio e um vazio imensos e chorei compulsivamente. Era como se arrancassem meu coração ou outro órgão vital, sentia-me morrer. Fui salva quando me entregaram o bebê e pude encarar seus olhinhos escuros, tocar seus dedinhos e admirar com encanto suas unhas minúsculas. Naquele momento, me senti preenchida novamente. Algum tempo depois, ainda sob efeito da anestesia, comecei a falar desenfreadamente, estava num alto nível de excitação. Quando meu companheiro se aproximou, disse-lhe, exaltada, que queria fazer ali mesmo outro filho, naquele exato momento, e acredito que se não estivesse imobilizada da cintura para baixo eu o teria enlaçado em minhas pernas e o puxado sobre mim, para que me penetrasse e me fecundasse, e assim recompusesse tudo aquilo que se havia dissolvido.
Depois do nascimento da bebê, meu corpo mergulhou na tarefa de prover sua subsistência, e por algum tempo não houve espaço para outras urgências. Meus seios inchados tinham agora três vezes o tamanho normal e vertiam leite ao ouvir de longe o choro da bebê. Queria e estava pronta para amamentar, mas, paradoxalmente, a boca da minha filha era pequena demais para abocanhar aqueles peitos enormes. A criança gritava de fome e junto com suas lágrimas escorreram pelo menos uns 500 gramas do peso aferido no nascimento: definhava. Eu chorava e me perguntava por que eu não conseguia amamentar minha filha. Invejava as gatas e as cadelas que nutriam seis crias ao mesmo tempo. Postada diante do berço, eu só queria transmutar-me em vaca e vasculhava dentro de mim buscando por fiapos de instintos que me ensinassem a alimentar minha filha. Três enfermeiras, meia dúzia de pomadas cicatrizantes e milhares de emplastro de salsinha foram necessários para que eu pudesse, finalmente, saciar a sede da bebê. Enquanto ela sugava, eu sentia um conforto imenso, como quando esvaziamos a bexiga depois de muito tempo segurando o xixi. Vê-la e senti-la se alimentar provocavam em meu corpo e mente um prazer novo, salivava, lambia os lábios e sentia um relaxamento enorme a ponto de adormecer sentada na poltrona.
No final do segundo mês de aleitamento intenso, percebi que meu corpo se transformava novamente. Todo o inchaço das pernas e do abdômen havia desaparecido. Perdi rapidamente os dez quilos que ganhara na gestação e mais sete do meu peso anterior. Nunca estivera tão magra. Os ossos do ombro sobressaíam sob a camiseta frouxa, o rosto estava mais fino, os cabelos, antes densos e volumosos, começaram a cair de maneira tão espantosa que achei que ficaria careca. Diante do espelho, era um outro eu que agora se mostrava a mim. A bebê sugava todas as minhas forças, fiquei deficiente em vitaminas e achei que precisaria morrer para que ela vivesse. Era exaustiva a rotina das mamadas, e nos primeiros meses eu não conseguia fazer outra coisa que não fosse isso. Não conseguia ler ou assistir televisão. Havia, finalmente, me convertido em vaca, comia e perambulava pela casa com a bebê pendurada em minhas tetas, ruminava e ruminava. Recordo-me que tinha pensamentos complexos sobre a vida e a existência, sobre aquilo que vivia, mas era incapaz de escrever uma linha. Mal lembrava que tinha uma tese de doutoramento para escrever, certamente não saberia dizer, naquele momento, qual era o tema da minha pesquisa. Acho que tive revelações e ideias que me teriam servido, mas não teria forças para empunhar uma caneta ou ligar o computador, e o que pensava se dissolveu e escorreu junto com o líquido branco e espesso que pingava das minhas mamas.
À medida que os cuidados com a bebê se tornavam rotineiros, comecei a ver novamente o mundo ao meu redor, rompia lentamente a bolha que nos envolvera, mãe e filha, logo após o parto. As formas do meu corpo se estabilizaram. Tinha muito apetite e me sentia bem-disposta e com energia, apesar das noites maldormidas. Estava sempre com a bebê enganchada em mim, mas retomava, aos poucos, algumas atividades cotidianas. Dar de mamar se tornara fácil e prático, o alimento da minha filha estava sempre ali, à mão, sem necessidade de nenhuma preparação. Durante as mamadas, partilhávamos momentos de grande prazer, mãe e filha, no encontro dos olhares, no encanto de ver a boquinha de peixe sugando e a mãozinha brincando com o nada, os pensamentos de cada uma flutuando e vagando, divagando, nunca saberei por onde. Era um prazer visceral e durante muito tempo senti meu útero se contrair no mesmo ritmo em que ela mamava.
Nesse momento, vi meu corpo ser despertado novamente para o prazer erótico, mas não tinha ideia de como esse corpo de mãe retomaria suas disposições de mulher. E foi num dia, ainda no começo da vida da bebê, que eu reconstruí esse vínculo com meu companheiro e com meu próprio corpo. Já havíamos reconectado os olhares, o desejo pairava no ar, como um espírito mágico, buscando a ocasião para se incorporar. Mas nunca encontrávamos o momento. As tarefas domésticas, o trabalho e, sobretudo, o bichinho faminto continuamente atado em mim protagonizavam as cenas de nossa vida íntima. Naquele dia, depois de uma noite maldormida, eu amamentava a bebê deitada num colchão no chão quando ele abriu timidamente a porta e espiou pela fresta. A bebê dormia, mas continuava chupando o peito, de forma que era impossível desgrudá-la de mim. Após uma troca de olhares, ele entrou no quarto e se deitou no colchão, me abraçando por trás, afastou meus cabelos e cheirou minha nuca. Ao contato do corpo dele, um frisson percorreu-me a espinha, fazendo os pelos se eriçarem, e suspirei longamente. Respondendo a essa reação, ele se aproximou ainda mais e passeou os dedos pelo meu rosto, pelo pescoço até chegar à mama que estava livre. O mamilo se enrijeceu e uma gota de leite brotou dali e escorreu pela minha pele. Os dedos deslizaram então pelo meu ventre, contornaram a cintura, a elevação do quadril e seguiram em direção às coxas. Demoraram-se ali algum tempo e depois retornaram lentamente até encontrarem meu sexo e, brincando, iam espalhando a umidade por toda parte. Eu não podia me mexer, para não despertar a bebê, mas contraía os músculos sutilmente, e ele, atento a esses sinais, entendia que eu queria continuar. A excitação dos dois elevava-se gradualmente e queríamos mais e mais. Comprimi, então, meu quadril contra o dele e senti a tensão de seu membro ereto. Ele abaixou o short, afastou a calcinha e me penetrou firme e lentamente. Naquele momento, um ardor e um calor tomaram meu corpo, derretia. Senti umas fisgadas em minhas mamas e, olhando para baixo, percebi que o leite jorrava e escorria pelo meu corpo. Ofegava e tentava não fazer barulho. A bebê continuava dormindo, mas, estimulada pela atividade das mamas, começou a sugar com mais vivacidade. As sensações que experimentei nesse dia ficaram impregnadas em meu corpo.
Tornar-me mãe despertou uma revolução dentro de mim. Nunca mais fui a mesma. Nunca mais comi da mesma forma, nunca mais dormi como antes, nunca mais amei, transei ou gozei como antes. Passei por uma profunda crise de identidade, fragmentei-me em muitas e fui, aos poucos, recolhendo as partes e juntando cada pedacinho num processo contínuo de compor-me e decompor-me. Depois disso, meu corpo passou por outras transformações e vez e outra ainda me pego encarando o espelho, a sobrancelha arqueada: “quem é você?”. A maternidade me coloca em questão o tempo todo e nem me espanto mais quando pressinto o gosto amargo no fundo da língua como um presságio de que um grande desafio está por vir. Diante do espelho, olho para dentro, reencontro o corpo, toco a cicatriz no baixo ventre, a pele fina delineia o pequeno espaço entre a mulher, a mãe, a filha: respiro, me aquieto e confio.