• Feliz aniversário mamãe

    Maryse Condé
    N.113 | 2024

    O aniversário de minha mãe era dia 28 de abril, data que nada jamais poderá apagar de minha memória. Era todo ano um acontecimento agendado com precisão como uma consagração. Na escola Dubouchage, onde ela ensinava havia vinte anos, suas alunas preferidas, pois ela tinha sua corte, recitavam-lhe elogios e entregavam-lhe um buquê de rosas, suas flores preferidas, em nome de toda a classe. Em casa, na hora do almoço meu pai lhe dava um presente, geralmente um colar ou uma pulseira que iria pesar ainda mais em sua caixa de joias.

  • Cão de pedra [fragmento] 

    Dolores Orange
    N.112 | 2024

    em nove meses, preciso escrever um texto sobre a minha relação com minha mãe, um tratamento contra um câncer e a perda do meu útero.

  • Em A teta racional, de Giovana Madalosso, há um momento comovente e honesto sobre a maternidade:

    […] virou-se para mim e disse: mãe sofre, minha filha, você vai ver. Ela nem precisava me dizer, eu já estava vendo. Ou pelo menos começando a ver, porque desde que meu filho nasceu, eu andava sentindo umas coisas estranhas. Era como se o meu emocional tivesse sofrido um corte mais profundo e ganhado uma nova camada, que me deixava experimentar mais amor e mais felicidade, mas também mais medo e mais dor.

  • Depois que você voltar [fragmento]

    Lorena Barbosa
    N.110 | 2024

    O sorriso da minha melhor amiga, a última música da minha banda favorita, o cheiro do café da minha avó e as suas histórias que nunca tinham fim. A descoberta do meu corpo foi numa terça-feira à tarde. O calor subia pelas minhas pernas. O toque, leve como uma pluma, e a sensação de estar pecando. A culpa que me perseguiu por anos. Deveria ter ajoelhado no milho, pedido perdão a Deus. Deus, personagem presente nos meus pesadelos mais assombrosos. Deus, me condenando ao inferno por não acreditar nele.

  • Leve o violão [fragmento]

    Malu Grossi Maia
    N.109 | 2024

    A barriga é reveladora. Não há maneira de disfarçar uma gravidez em público. Parece que carrego uma melancia que anuncia: TRANSEI DESPROTEGIDA! ou: UM PALPITE A QUALQUER HORA! e ainda: TOUCH HERE. Todo mundo pergunta quem é o pai. No início, respondia calmamente que acabáramos de nos conhecer e estávamos resolvendo juntos a situação. À medida que a barriga crescia e o umbigo estufava e descobria que ninguém se importava de verdade, passei a ter prazer literário nas versões.

  • Mulher imperfeita [fragmento]

    Marina Apolinário
    N.108 | 2024

    Às vezes eu sonho com essa história, talvez tenha sido ela que me trouxe até aqui, à escrita deste ensaio. Minha mãe sempre a contou do jeito de quem via de fora. Vó contava do sobrenatural, do jeito de quem viveu.

  • Maternidade [fragmento]

    Sheila Heti
    N.107 | 2024

    Transando, mas já bem sonolentos, no meio da noite, fiquei com medo de que Miles acidentalmente gozasse dentro de mim. De repente, aquilo me pareceu uma pena de prisão — uma coisa terrível que se abateria sobre nós, sem retorno, o oposto do meu desejo, toda a esperança esvaída. Eu vi nós dois, com nossos sonhos destruídos.

  • Trilogia de Copenhagen [fragmento]

    Tove Ditlevsen
    N.106 | 2024

    A infância é longa e estreita feito um caixão e não dá para escapar dela por conta própria. Ela está ali o tempo todo, e todos podem vê-la tão claramente quanto se vê o lábio leporino do Belo Ludvig. Com ele acontece o mesmo que com a Lili Bela, que é tão feia que não dá para acreditar que algum dia ela teve uma mãe. Tudo o que é feio ou mal-acabado a gente chama de belo, ninguém sabe por quê. Não dá para escapar da infância e ela nos acompanha como um cheiro. Dá para percebê-la em outras crianças, e cada infância tem seu próprio cheiro.

  • Nas semanas seguintes ao nascimento do meu filho, um vento de março soprou do lago e atravessou nosso apartamento, onde todas as noites eu ficava sentada por horas, numa cadeira de balanço de madeira dura, balançando meu bebê inquieto e olhando as janelas pelas quais mal conseguia ver as sombras dos galhos das árvores sacudindo ao vento. A cadeira rangia, o vento gemia, escutei uma batida no vidro e um bater de asas em torno do peitoril, e tive certeza de que um vampiro estava lá, tentando entrar.