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Não quis marcar a data do parto do meu segundo filho. Na minha primeira gravidez, cheguei à 42ª semana sem contrações nem nenhum “sinal de parto”, e o médico indicou a cesariana. Os índices de cesariana no Brasil chegam a 95%, o maior índice de todo o mundo. Entrei para essa estatística.
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Eu começaria e terminaria da seguinte forma: por causa da maternidade e do isolamento social, não pude escrever este texto.
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Há um caderno de anotações em todos os lugares da casa. Em cada canto um. Todos vazios. Ou com frases soltas. Palavras que parecem vagar. Alumbramentos, receios, angústias, alegrias e descobertas.
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Mãos, gestos, linhas visíveis e invisíveis. Um ponto ligado ao outro. Tenho pensado muito sobre as mãos. Em algum momento da pandemia, uni as pintas do meu braço com uma canetinha rosa, assim como meu filho riscou a parede em um ataque de fúria. Mamãe, você está mais calma agora?
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Escrever um texto sobre maternidade e pandemia? Sobre Gil e a falta de tempo? Sobre política, persistência, cotidiano? Não sei como desviar desse tema nem do quanto me ocupou a diferença entre homens e mulheres na distribuição dos cuidados da domesticidade.
Esgueiro-me ao redor do tema: nenhuma iluminação nem cheiro de fagulha
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Dou um xêro na barriga e ganho um cafuné. Dengo bom que me distraiu e eu nem vi o passar do tempo, dois anos desde aquele dia em que me rasguei para recebê-la. Naqueles primeiros dias, minha menina se fazia urso em inverno. Hoje, somente uma soneca rápida ao longo do dia.
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É preciso começar pela margem. Primeiro, separar as peças, isolando todas que tiverem uma lateral perfeitamente reta, são as que formam a moldura, estabelecendo o limite e o início das conexões restantes. Atenção para as peças com duas laterais retas, essas são as
de canto, é importante ter atenção aos cantos. -
De onde parto? De mim. Dividida em duas partes, no parto. Eu e João, tirado de mim por minha mão. Atrás de mim, minha mãe.
Talvez sejam essas as minhas primeiras referências sobre maternidade.
Maternidade um tanto fora do padrão. Deficiente? Nunca gostei dessa palavra, mas carrego em mim uma lesão medular.
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Fecho os olhos. Inspiro fundo, retenho o grito – tenho exercitado firme para não pedir as coisas aos berros.
Eu e ele. Um ano e um mês. No início, eu me sentia num desses filmes de cataclismos, em que os personagens têm que se esconder, juntar provisões, acuados em bunkers e sem saber muito bem como anda o resto do mundo lá fora. Nosso isolamento é Nutella, apesar de todo o perrengue. Nesse tempo, perdi a conta de quantas rotinas ocasionais negociamos, tentando manter alguma espécie de sanidade dentro dessa nova normalidade.
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dia 01
dizem que isso vai durar pelo
menos três meses.dia 02
falei com gorete e ela disse que queria continuar vindo trabalhar.
sobreviveremos.
ela e eu.